Aeroporto de Congonhas, São Paulo.
Estou no desembarque do Aeroporto de Congonhas à espera do voo 1283. Na verdade, não tô nem aí para o voo: espero por uma passageira que ocupa um cômodo mais do que nobre em meu coração, minha irmã.
Ela se mudou para Bombinhas, em Santa Catarina, há pouco mais de um ano. E desde então eu sinto saudade, um buraquinho que não consigo tapar; principalmente quando me lembro dos macarrões que comíamos na casa do meu pai quando morávamos a poucas quadras – e nenhum farol – um do outro. Não só isso: vivo a pensar em lugares legais para levá-lá nas vezes em que volta para esta cidade caótica, insone, apressada e poluída. Hoje, por exemplo, vamos mandar um açaí e depois assistir a um filme no cinema.
Não vejo a hora de vê-la em meio aos muitos passageiros de cara amassada e executivos quase calvos que não param de atravessar o portão que está à minha frente.
Além da vontade de abraçá-la, estou ansioso para saber se ela vai curtir os presentes que trouxe da Europa no começo de janeiro e que ainda não tive oportunidade de entregar. Será que ela vai gostar do relógio azul e roxo? Ou achará infantil, coisa de menininha que ainda não aposentou as bonecas? Afinal, ela fez treze anos no mês passado; e você sabe como são os seres dessa idade, não sabe? E dos chocolates exagerados e balas de formatos estranhos, o que pensará? Espero que sorria bem grandão, de espremer os olhinhos, e que não hesite em enfiar tudo na boca, compulsivamente, como faço quando trombo com um bolo de cenoura após longos períodos tentando me limpar do açúcar.
O relógio marca 13h37. Em minha boca, gosto de café aguado, quase chá. E pior: um dos cafés mais caros da minha vida. Enfim…
Penso na quantidade de histórias contidas nos corpos que agora cruzam meu caminho em busca de táxis, rostos conhecidos e plaquinhas contendo seus nomes. Tento imaginar o que existe por trás das vidas que agora portam malas e olheiras. Imagino exatamente como fazia quando criança, quando passava horas e mais horas sentado no terraço, vidrado nas janelinhas acesas dos edifícios que rodeavam o meu.
Um abraço apertado acontece. Abraço demorado, forte, de fazer “creck” nos ossos. Mãe e filha, sem dúvida – o nariz de batata entrega o grau de parentesco. A pequena mala de mão carcomida de canto e as duas se esmagando. Arrisco dizer que a menina se mudou daqui para estudar. Ou para viver uma vida menos esmagadora e asfixiante – coisa que também pretendo fazer. Fim de abraço. Agora caminham em direção ao estacionamento de mãos dadas. A menina – que já é mulher – deve estar pensando na bobeira que era a vergonha que sentia dos carinhos grudentos da mãe nos tempos de colégio. E também em comida caseira, óbvio, rango com Sazón de corazón, coisa que provavelmente não encontra onde vive.
13h50. Quase todos ao meu redor estão mergulhados em celulares. WhatsApp, Facebook, notícias, qualquer janela para outro canto virtual capaz de fazer o tempo do mundo real passar mais rápido. Uma senhora, porém, está de retinas apontadas ao portão. Vidrada. Quase não pisca. Quem está por vir? Será a neta que ela ama empanturrar de bolinhos de chuva? O marido ranzinza que só quer comer no mesmo restaurante? Uma amiga aposentada de longe, ex-companheira de tranca? Talvez eu descubra. Ou não, né? Pois assim que minha irmã chegar eu correrei daqui. Ou terei de doar meus rins para pagar o estacionamento.
13h59. Sinto inveja da vasta cabeleira branca de um senhor que vai direto ao ponto de táxi. Como pode alguém com tantas décadas nas costas ter tantos cabelos no andar de cima? Só ele e o Osvaldo Montenegro, não devem existir outros.
Avisto um rosto comum saindo do portão, um cara com quem estudei quando morava em Campinas. Marcos? Márcio? Mauro? Não tenho certeza. Só que começa com eme. Não o tenho na prateleira de amigos do Facebook. Então, evito que nossos olhares se cruzem, foco em meu cadarço prestes a desamarrar, fujo como já fiz muitas vezes antes. Sou péssimo para nomes e conversas breves. Nunca sei o que dizer nesses encontros casuais. Sempre termino com um político e mentiroso: “Então tá, vamos marcar algo”.
14h05. Cadê minha irmã, hein? Será que ela passou por mim enquanto eu escrevia alguma frase? Não, não é possível. Será que o voo atrasou? E se a mala dela foi mandada a Beagá em vez de vir pra cá? E se a chuva obrigou o avião a pousar em Cumbica? E se… Mas a chegada está prevista para às 14h10, ou seja, está tudo dentro dos conformes. Calma, Ricardo. Quanto pessimismo.
O tum-tum do meu coração aumenta, posso sentir quando coloco a mão sobre o peito. Não deveria estar tão ansioso. Afinal, eu a vi no começo de dezembro. Ah, mas não sou máquina, né? Não mesmo. E amo dar presentes. E a acho uma pessoa muito espe… Ó ELA LÁ!