Você tem um bar de estimação?

Você gosta de tomar umas e outras? Gosta mesmo? Então, certamente, possui um bar do coração.

Um bar no qual se sente verdadeiramente abraçado, como na poltrona macia de sua sala de tevê; sem a necessidade de poses calculadas e trajes glamorosos, mais à vontade, até, do que em festas de família cheias de perguntas repetidas e “é pavê ou pá cume”.

Um bar em que os garçons sabem seu nome/apelido, podres (você os revelou depois de uns Camparis, não se lembra?), marca de cerveja preferida e o momento exato de oferecer uma porção bem gordurosa e substancial para acabar com qualquer VINI (Vazio Interior Não Identificado).

Um bar no qual você sempre é tratado como um rei, a pão-de-ló, mesmo quando está calçando Havaianas remendadas por clipes de metal e naqueles dias estranhos em que, por razões desconhecidas, todos resolvem encará-lo como se você não passasse de uma bituca de Derby recém-cuspida por um mendigo de dentes cariados. Independente das vistosas manchas de shoyo em sua camisa, da folha de rúcula em seu dente da frente e do zíper aberto que deixa à mostra sua cueca frouxa e verde (uma das 3 do pacote que comprou nas Americanas), em seu bar do peito nunca hesitarão em lhe oferecer seu copo favorito (aquele americano com um leve cheirinho de ovo), e se lembrarão de que você é apaixonado por pimenta: com um sorrisão no rosto, o garçom (aquele que você chama pelo nome ou de “professor”) dirá: “Aí vai aquela pimentinha que cê curte, mestre!”. E se ele sentir que você está para baixo, jururu, um copo da pinga que você mais gosta pousará sobre sua mesa, acompanhado por um “Essa é por nossa conta, doutor” (em seu bar do coração não precisa de doutorado para ser chamado de doutor. Não é mesmo? Eu, que não passo de um escritor latino-americano, ontem mesmo ouvi: “Já vai fechar, doutor? Sem aquela saideira esperta?”. Ouvi, senti-me um bêbado deveras importante, e respondi: “Você me convenceu, Zóio”).

Um bar no qual você, sem medo de perder os dentes ou terminar na delegacia dando explicações em meio a tretas conjugais e câmeras do Polícia 24 Horas, pode afirmar coisas que, em bares onde não conhecem seu apreço por torresmo, seriam encaradas como desculpas esfarrapadas de 171; do tipo: “Esqueci a carteira na casa da minha sogra. Saí correndo de lá, professor, não aguentava mais a velha perguntando quando eu darei um netinho para ela. Amanhã eu passo aqui para pagar a conta, pode ser?”.

Um bar onde você já comemorou aniversários, promoções e decisões judiciais; tentou (em vão) diluir chifres na cachaça; fez longas, repetitivas e embriagadas declarações de amor (“Eu gosto de você, sabia? Gosto mesmo. Pra caraí. Assim, ó, deste tamanho. Ou mais…”); viu seu time ser campeão e se foder; escutou diálogos mais mirabolantes do que aqueles que estão presentes nos filmes do Tarantino; precisou pedir ajuda a um amigo de exatas para calcular o valor a ser pago por cada bebum da mesa; não resistiu e mandou mensagem para aquela ex que, quando partiu, só não levou seus rins porque não tinha um bisturi à mão… Enfim. Você entendeu. Principalmente se tem um bar do coração. Aliás, ainda não me respondeu: tem um?

Eu tenho. Na verdade, tenho dois: um em Sampa e outro em Campinas (cidade que frequento bastante). E sabe o mais interessante? São bares de estilo semelhante – estilo que eu, carinhosamente, chamaria de: “botecão-tradiça-gourmet-de-cu-é-rola-aqui-nunca-tem-papel-para-secar-a-mão-ou-seja-seque-na-calça-mesmo-e-seja-feliz”. O de São Paulo fica na Paulista, em frente à livraria em que lancei meu primeiro livro, e vive a me provar que vale a pena investir algum tempo admirando a multidão caótica de SP. Às vezes eu vou lá, peço uma Original e fico a observar o corre-corre dos pedestres paulistanos. E acredite: entre seres hipnotizados por smartphones e crianças vendendo panos de prato eu consigo enxergar muito pano para poesia. Ontem, por exemplo, vi um pai sorrindo orgulhoso depois que o filho (filho, com certeza, pois a semelhança entre eles era nítida), finalmente – e depois de algumas quedas -, conseguiu permanecer sobre o skate em movimento. Tudo isso bem em frente à minha mesa, num domingo de avenida fechada para os carros e busões, sob um céu metade dia, metade noite, dégradé. Em Campinas, eu gosto mesmo é do Bar Azul – a tradição em forma de bar, desde 1954. Tão tradicional que, no cardápio, existem “alguns mandamentos do bar”; entre eles “Não fique o tempo todo atendendo sua mulher ou marido no celular. Desligue-o e converse com seus amigos (as)” e “Faça novos amigos. Converse com quem você nunca viu e dê muitas risadas”. Genial, né? E sabe o mais legal? Numa cidade em que muita gente dá valor a sobrenomes e a outras besteiras do tipo, é um lugar ótimo para ser apenas mais um com o copo na mão, onde o que vale, de fato, é o que realmente importa: o conteúdo (das pessoas e da garrafa).

Por fim, como não poderia deixar de ser, quero propor um brinde ao bar de cada um (ao meu – ou “meus”, né? -, ao seu, ao bar do finado Reginaldo Rossi…) e, principalmente, aos garçons que vivem a ser esquecidos em nossas homenagens e orações, mas que, sem dúvida, merecem nosso respeito e carinho, principalmente quando têm coração mole e desistem de usar o dosador depois de um “Capricha na dose, campeão!”.

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Ricardo Coiro

Ricardo Coiro

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