Você não precisa estar sempre feliz

Você sabe que passar por períodos de tristeza é algo perfeitamente normal, não sabe? Você se cobra para estar feliz o tempo todo?

Pergunto por perceber que parte considerável da população se sente cometendo uma infração gravíssima quando nota que está atravessando um momento de infelicidade. Pergunto, principalmente, porque carrego uma certeza: estou rodeado por seres que tentam, desesperadamente, não demonstrar qualquer indício de vulnerabilidade humana. Pergunto, antes de qualquer coisa, pois posso estar sendo lido por alguém que se obriga a sorrir publicamente sempre, até mesmo nos dias nebulosos em que só está a fim de desaguar sozinho; gente que teme o julgamento dos milhões que – graças aos tantos sorrisos planejados que vivem a compartilhar – parecem ter encontrado a fórmula da felicidade eterna. Pergunto e, em vez de exigir que me dê respostas, eu quero apenas que reflita.

E quero, também, que perceba uma verdade pouco aparente nas redes sociais: ninguém é capaz de se manter sempre feliz. E o motivo é bem simples: merdas acontecem e não há como não pisar em uma aqui e outra ali vez ou outra. Serei mais direto: relacionamentos que parecem ter tudo para durar séculos acabam de repente por causa de fios de cabelo encontrados em paletós e caminhoneiros imprudentes com a cabeça cheia de rebite e 51. Os bichinhos que anseiam pela nossa chegada diária e que não nos negam lambidas nem quando estamos encharcados de suor partem abruptamente, sem ronronada ou latido de adeus. O cargo que tanto desejamos, e que parece estar em nossas mãos, às vezes é dado a outro que não está nem aí para ele. Gente legal some e não reaparece. Gente chata aparece e não some. Chove gelo no dia do piquenique. Faz solão em dia de escritório. E aquele que disser “Nada disso é capaz de me abalar!” estará mentindo, eu garanto. Ainda somos humanos, afinal. Ainda.

Alguns são mais resistentes às frustrações e dores da vida, é verdade. Mas ninguém é totalmente imune ao sofrimento natural que elas causam. E sofrer, acredite, não tem apenas pontos negativos. Principalmente quando você aceita seu sofrimento e, daquele incômodo, procura extrair algum ensinamento, qualquer aptidão capaz de ajudá-lo a enfrentar com mais clareza os monstros que ainda cruzarão seu caminho. O sofrimento nos afia. O sofrimento nos condiciona à dura realidade em que vivemos. Saca? Se sempre o negamos ou nos anestesiamos com pílulas e cachaças ao primeiro sinal dele, negamos também valiosas oportunidades para crescer.

Grandes evoluções, muitas vezes, acontecem após desconstruções, e nada melhor do que uma situação que nos deixa em escombros para descobrirmos a força e a capacidade de reconstrução que temos. Quando algo lhe cortar ao meio, em vez de começar a disparar carinhas amarelas sorridentes para fingir que é inabalável, aproveite o momento para olhar ao seu interior e, em você, procurar poderes que desconhecia e que jamais conheceria se a vida fosse de fato incondicionalmente azul como os retratos maquiados e calculados dela que pipocam nos murais rolantes em que vivemos refugiados.

“O sofrimento é um intervalo entre duas felicidades”, bem disse o Vinicius de Moraes. E sem esse hiato que vive a ser renegado por aí, arrisco dizer que nem sequer saberíamos o que é alegria. O breu é necessário para compreendermos a luz e para nos lembramos de agradecer pelas topadas que ela nos impede de dar. Compreende?

Doenças graves como a depressão podem levar o ser humano a um estado de tristeza abismal que só pode ser revertido com auxílio médico, eu sei. E não quero, em hipótese alguma, diminuir a gravidade de tais patologias. Conheço-as de pertinho, sei que nada têm de “frescura” – como alguns ainda as enxergam. No entanto, preocupo-me com a multidão que engole um Lexotan a cada expectativa não realizada, que prefere morfina na veia a ter de encarar as decepções nos olhos, que faz de tudo para perder a consciência e, consequentemente, a oportunidade de ganho que só as derrotas nos possibilitam.

Um dia nossos corações serão substituídos por órgãos metálicos, mais fáceis de desentupir e com maior prazo de validade. Até lá, porém, continuaremos a sangrar. E a chorar de um jeito que até nos desfigura a face. Que tal aproveitarmos – enquanto ainda dá! – aquilo que nos diferencia dos robôs? Às maquinas as lágrimas nunca passarão de água e risco de ferrugem; a nós, no entanto, podem ser os lembretes necessários para que nunca nos esqueçamos do quão bom é sorrir.

Ter coragem para assumir tristeza real neste mundo de sorrisos fakes e pixealizados é um bom sinal. É indício de que você ainda é humano – e mostra os dentes, ao menos, antes dos tantos “hahahahahaha” e “kkkkkkkkkkkkkk” que digita.

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Ricardo Coiro

Ricardo Coiro

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