Você foi a mulher da minha vida

Ju, se você está lendo esta carta, significa que eu acabei de passar desta para uma bem pior, afinal, duvido que tenha uísque, Nutella, Netflix, coxinha com “catupa” e rock and roll de responsa lá no céu. No máximo, um food truck, algumas paletas mexicanas e alguém tentando empurrar assinaturas de revistas, essa é a minha aposta.

Na real, já que este papo tem tudo para ser franco, repito o que lhe dizia quando ainda éramos casados: eu duvido que exista um céu e todo aquele blá-blá-blá em que você afirmava acreditar. Mas não vamos discutir por causa disso, OK. Aliás, mesmo que você queira — como sempre fez questão —, já não dá mais para me mandar à puta que me pariu (sua ex-eterna-sogra), pois eu morri mesmo, não tô zoando. O gato caiu do telhado e bateu as botas. “Aqui jaz mais um Zé que morreu sem direito à saideira”, estará escrito em minha lápide.

Escrevo do lugar que mais odeio em toda a galáxia (mais até do que aquela loja de sapatos infinita na qual você me fazia esperar milênios pela sua indecisão). Estou aqui por causa de uns piripaques cabulosos que ando tendo em meu figueiredo. E o doutor, com toda a delicadeza do mundo e usando somente termos técnicos, informou que estou mais fodido do que pepeca de atriz pornô ninfomaníaca. É, tô no colo do palhaço. Aposto que você, neste instante, além de já ter começado a dar aquelas inspiradas longas — técnica que usa quando quer adiar o chororô —, deve estar morrendo de vontade de jogar a verdade em minha cara, de me dizer: “Bem feito, Zé Eduardo. Bem feito, seu pinguço de merda! O que mais poderia acontecer com alguém que leva o copo até para o banho? Hein? E ainda tinha a pachorra de falar ‘Relaxa, Juzinha, Take it easy!’, quando eu afirmava que você estava se matando dose a dose, porre a porre. Seu burro!”. Mas não vale a pena brigar com um morto, não acha? A menos que eu me torne um walking dead, né? Aí você terá todo o direito de explodir a minha cabeça. Falando em Walking Dead, tô puto: de acordo com o que o médico deu a entender com aquele olhar de “você tá na bosta”, acho que vou partir antes mesmo do final da última temporada da série. Acho, inclusive, que é melhor não começar nada muito longo, saca? Só vou terminar o Big Brother e pronto, missão cumprida. Já vi coisa pra caralho nesta vida. Só de Lost e Dexter eu já devo ter umas mil horas nas costas. Enfim, logo será o meu fim.

Dá para acreditar que, pelo andar da carruagem, partirei antes do Keith Richards? Melhor para a humanidade, que perderá bem menos. Ou ousará me dizer que eu, do dia em que saí do útero até hoje, fiz algo tão memorável quando o riff de Satisfaction? Nem cheguei perto, essa que é a verdade. Escrevi uns livros legais, eu sei. Entretanto, de resto, só fiz merda. Merda atrás de merda. E é por causa de uma das incontáveis cagadas que fiz — a maior delas, provavelmente — que eu resolvi escrever esta carta. Não que o Wi-Fi horrível deste hospital não tenha exercido certa influência sobre a minha decisão; mas escrevo, principalmente, para confessar uma descoberta que fiz há algum tempo e que, infelizmente, nunca tive coragem de lhe admitir: você foi a mulher da minha vida. E continuará sendo. A menos que a enfermeira da madrugada apareça de calcinha à la Paolla Oliveira, apresente-me técnicas “orgásmicas” de pompoarismo e, depois que eu já tiver virado os olhos, permita que eu coma uma pizza de calabresa, fume um maço de estoura peito e beba umas doze latinhas. Ou vinte. Não, nem assim…

Você foi a mulher da minha vida, sem dúvida alguma. E não digo isso por causa do seu cafuné sonífero, dos boquetes tunados com Halls preto ou das shantalas que você fazia em minha pança para aliviar as minhas cólicas pós-rodízio. Não só por isso, melhor dizendo. Você foi a mulher de uma vida cheia de mulheres (mais até do que a vida do Martinho da Vila, suspeito). E eu, burro como a maioria dos homens, a troquei por uma bunda mais redonda, que logo foi trocada por uma mais redonda ainda, que, acredite se quiser, também foi trocada por uma bunda arredondada ao cubo; e assim, de nádega em nádega, fui me sentindo a cada dia mais vazio, principalmente depois que eu esvaziava o saco e era tomado por uma saudade imensa das conversas filosóficas que tínhamos depois de transar. Lembra-se? Eu adorava jogar todo o meu ceticismo contra você, ainda nua e de coração acelerado graças ao orgasmo recém-tido. Eu fazia de propósito, não nego. Dizia aquele bando de “não viaja” só para ver você ficar puta com a minha descrença em tudo e em todos. E você ficava. Não apenas puta, mas também ficava linda com aquela cara de raiva, por saber que nunca conseguiria me convencer ou, ao menos, fazer-me admitir que a existência de uma vida depois desta é possível, apesar de improvável. É possível, agora admito. E não estou dando o braço a torcer para que respire aliviada e, finalmente, risque “convencer o Zé” do seu caderno de pendências. Admito porque estou apavorado, com medo de você estar errada e, de fato, existir somente esta vida mesmo, nada além. Admito a existência de uma possibilidade porque eu, agora, realmente gostaria de descobrir que a sua teoria maluca sobre reencarnação estava certa. Não imagina como eu quero isso, mais até do que desejo tirar o caninho do meu pinto e descobrir um traficante de cigarros dentro deste hospital. Mas não acho que vou reencarnar em alguém. E, se isso acontecer, até esse alguém crescer e atingir idade suficiente para seduzi-la, você provavelmente já terá morrido, estará casada ou terá enrugado demais (brincadeira!).

Nenhuma das minhas ex-mulheres vai receber uma cópia desta carta, pode acreditar. E sabe por quê? Porque ao seu lado eu realmente me senti amado até a tampa, como nem cheguei perto de me sentir ao lado delas, das outras por quem nem sequer consegui chorar quando parti. Até nossos barracos eram mais bonitos do que os barracos que tive com elas, juro. E as trepadas que dávamos depois deles, hein? Esplêndidas! Vai negar? Claro que não! Aposto que os vizinhos não entendiam como passávamos de xingamentos a gemidos tão abruptamente. E aposto, também, que eles nos invejavam, aquele bando de velhos que vivia a tentar ferrar com as nossas festinhas a dois. Mas eles não conseguiam, nunca. Até diminuíamos o volume do som, mas, minutos e muitos copos depois, o blues voltava a comer solto. E o amor também.

Você me faz uma falta do caralho, é isso que eu quero que você saiba. E fará ainda mais falta quando eu for desta para uma muitíssimo pior, afinal, se existir um céu — hipótese na qual não consigo crer, sorry! —, duvido que por lá exista alguém capaz de fazer com que eu me sinta de novo um Zé alguém, como só você conseguiu. Duvido que por lá exista alguém como você, que me amou por aquilo que deveras sou, e não graças aos tantos príncipes que vomitei por aí, em livros, jantares, entrevistas, em tudo.

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Ricardo Coiro

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