Tatuar é colocar o coração para fora

Para muitos, ela não passa de um adereço estético como outro qualquer, de um balangandã permanente enfiado na carne, de um enfeite que possui a mesmíssima função – e importância – das pulseiras, brincos e anéis que as madames costumam comprar por impulso, para não se sentirem à margem da mais nova coleção – “outono-inverno” que já nasce com data para ser assassinada pela próxima “primavera-verão”.

Para outros – sim, eles ainda existem por aí! –, ela é coisa de bandido, de drogado, de puta, do diabo ou de gente “sem amor ao corpo”, como eu ouvi outro dia, no metrô de São Paulo.

Para mim, meu caro, ela é muito mais: é a forma mais eficaz de me virar do avesso e trazer à tona, à superfície do meu corpo, aquilo que inunda o meu interior e ricocheteia feito bala em minhas profundezas, entre minhas tripas e trapos, pedindo-me, diariamente, permissão para sair, para desentranhar, para transbordar, para ser exposto a quem quiser vê-lo e, principalmente, ao espelho, tornando-se, assim, um reflexo-lembrete do que eu sou de fato, sob a roupa, sob a minha total nudez, inclusive.

Não se trata apenas da tinta que – com a ajuda de uma agulha frenética – pinga corpo adentro. Trata-se, principalmente, de sentimentos, valores, crenças e lembranças que imploram para serem jorrados (as) coração e cérebro afora; que suplicam para serem transformadas na arte que comigo envelhecerá, desbotará, enrugará, morrerá e, finalmente, servirá de pão às larvas sempre famintas por um novo the end.

“Mas por que materializá-las em seu corpo e não em um quadro ou em uma camiseta, por exemplo?”, alguém certamente me perguntará. Respondo: certas coisas são tão importantes que precisam ser carregadas comigo, todos os dias, religiosamente, sem que exista o mínimo risco de serem roubadas por um ladrão sorrateiro, extintas por um incêndio provocado pelo vizinho descuidado do andar de baixo, esquecidas em um assento enferrujado de trem ou confiscadas por um oficial da alfândega mal-humorado. Compreende o meu ponto? Compreende as minhas linhas e rabiscos permanentes? Quer um exemplo real? Em meu peito, meu caro, eu carrego a frase “still alive” – ainda vivo – para nunca me esquecer de que, nesta vida, sem que aviso prévio ou tempo para um poema de despedida, reticências podem virar um definitivo ponto final.

Você me entende? Não? Tudo bem. Eu respeito o fato de você pensar de maneira diferente da minha e de não ter a menor vontade de tatuar o seu corpo. Só lhe peço uma coisa: por favor, não me ache menos valioso do que aqueles que não possuem tinta na pele, afinal, você provavelmente não é como as pessoas que, de tão rasas, só têm superfície; ou é oco a esse ponto?

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Ricardo Coiro

Ricardo Coiro

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