Somos açúcar à espera da próxima tempestade

O céu por aqui não está azul nem limpo. Pelo contrário: não há nele um só cantinho que não pareça furioso, prestes a desabar.

Só se foi metade do dia, mas parece noite. Pior: além do breu precoce, há vento também. Ventania, aliás! Uma força invisível que quase arranca meus finos cabelos e joga tudo quanto é sobra de natureza em direção aos meus olhos – agora espremidos, assustados com a rebeldia crescente da natureza.

Estranho seria se dissesse que não estou com medo, que posso prever os capítulos deste cinza-chumbo ao qual fui entregue pelo acaso ou sabe se lá por qual raio.

Mas eu não posso. Ninguém pode prever os passos do depois.

Não tenho guarda-chuva nem refúgio por perto. Não estou com aquele amigo valente que, de peito aberto aos canivetes lá de cima, declara:

“E daí?”

Estou só e me sinto tão suscetível à fúria do céu quanto uma escultura de areia. Uma orquídea que quando olha ao mundo áspero que a cerca, acha, até, que já chegou longe demais.

Estou só como cheguei aqui há trinta e um anos e alguns muitos tropeços e murros e escarradas e… Nada que você também não tenha levado, não?

Estou só como acabarei ninguém sabe quando nem se logo mais.

Estou só como todos, mesmo aqueles que se iludem com rasos contatos virtuais que vão do “oi” ao “então tá, a gente combina”, apenas.

Sinto vontade de meter o pau na previsão, que não viu o caos se aproximando. Quero esmagar minha displicência até vê-la sufocar. Mas logo me lembro de que a vida é indomável. E xingar o passado não muda – não para melhor! – o presente, já aprendi.

Então, como já fiz outras vezes, apenas me encolho, tatu-bolo-me, embrulho-me em minha insignificância torcendo para que minha jornada não acabe aqui, afogada, eletrocutada, arrastada pela mesma enxurrada que soterrará gente pobre que nunca chegará nem perto de flor de sal….

Torço para que me reste tempo, milênios se possível; para que eu ainda possa perdoar os tantos que me magoarão e meus próprios deslizes – os que mais me parecem inflamados.

Torço para que eu ainda possa assumir meu medo da chuva outras vezes.

Torço, como nunca torci a time algum, para que aos meus amores eu ainda consiga fazer bolo simples e nhoque; e no coração deles, cafuné capaz de fazer com que se esqueçam, por segundos de torpor e arrepio ao menos, que apesar da pompa que ostentamos em vitrines virtuais, não passamos de frágeis torrões de açúcar; de carne que, embora agora esteja pulsando forte – até a goela! -, um dia se misturará à terra, a mesma terra – logo lama – que sinto colada a meu queixo, exalando um cheiro de infância interiorana que me acalma nestes segundos de pequenez declarada.

 

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Ricardo Coiro

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