Solteira e feliz, por que não?

“Solteira sim, sozinha nunca!”, foi o que ela disse antes de bater, sonoramente, o copo contra o das amigas. Vociferou como se assim pudesse exorcizar o mais temido – embora não tão perigoso e muitas vezes irreal – monstro da nossa época: o fantasma da rejeição.

Encheu o pulmão de ar para dizer tal frase, pois fazia questão de fingir ao mundo que, apesar do status de solteira no Facebook e de não ter companhia para as sessões dominicais de cinema, vivia rodeada por provedores de olhares atentos e portadores de corações derretidos. Aquela que propôs o brinde não queria, de maneira alguma, que as amigas descobrissem que, no último mês, nenhum homem – nem o feinho que ela costumava usar e abusar em dias de carência extrema – havia tocado os lábios dela. “O que pensarão de mim se souberem que o gosto do último beijo que dei já saiu da minha língua faz tempo?”, indagou-se internamente, antes de agir como se fosse a última e a mais disputada bolacha do pacote. E eu, apesar de ter assistido à cena de longe, enquanto permitia que os ouvidos escapassem discretamente da repetitiva discussão futebolística que rolava em minha mesa, sei bem o que as amigas teriam pensado se ela, porventura, assumisse a recente falta de par. Provavelmente, teriam pena dela. Olhariam como faz a criança ingênua que, pela primeira vez na vida, depara-se com um amputado. Sabe por quê? Pois nos dias de hoje, mesmo a solidão opcional – do tipo que é ótima para colocarmos as ideias no lugar e essencial para impulsionar a nossa evolução pessoal – é confundida com rejeição e faz com que aqueles que optam por uma ida solitária o cinema, por muitos, sejam encarados com os mesmos olhares de dó que são comumente dirigidos aos acidentados, mendigos e para as crianças carentes.

“Como pode uma moça tão bonita sem um parceiro para completá-la?”, dizem os que ainda acreditam que a completude só existe quando encontramos a suposta tampa para nossa panela quando veem Maria (personagem hipotética e admirável) jantando sozinha. Ela até sabe, graças aos olhares indiscretos e de espanto, que a enxergam dessa forma, mas, felizmente, não está nem aí. Prefere focar no temaki que ameaça desmanchar e na alegria que sente ao ver aquele monte de salmão cru e fresco. E sabe por que Maria não está nem aí? Ela já aprendeu uma das coisas mais importantes que um ser humano pode compreender em toda a vida: a incrível arte de garimpar a felicidade que existe dentro de nós. Não sabe do que eu estou falando? Refiro-me ao ouro – não de tolo – que carregamos em nosso interior. Preciosidade que não depende de ninguém – além de nós, obviamente – para ser encontrada e lapidada, respectivamente. E, no dia em que você descobrir a sua mina de ouro interior, rirá sozinha como faz um pirata que acaba de colocar as mãos em um tesouro de valor inestimável.

Antes de iniciarmos a busca por outras bocas, braços e cérebros para somarmos aos nossos corpos, precisamos aprender a sobreviver somente com aquilo que temos. E, apesar de inúmeros seres ainda não terem percebido, já nascemos com muito. Muito mesmo!

Em muitos casos, não sei se por influência de mocinhas que só sorriem quando estão no colo de galãs ou se devido ao exemplo dado por tias-avós que vivem a confundir os solitários com os coitados, temos uma estranha vergonha de assumir o quanto nos bastamos. O mundo nos diz, por meio de diversos meios de comunicação e das fotos tiradas na Ilha de Caras, que estar só é estar menor. E nós, influenciáveis como somos, por medo de julgamentos escondemos a nossa solidão da sociedade e não admitimos, nem sob influência de tortura, os períodos que passamos bem – mesmo sem ninguém.

E enquanto continuarmos a achar que nascemos incompletos e que só nos tornaremos um inteiro quando encontrarmos a nossa suposta metade da laranja ou a hipotética goiabada para o nosso queijo, continuaremos a confundir seres autossuficientes com almas rejeitadas; e pior: insistiremos em não perceber que os incompletos, de verdade, são aqueles que vivem a achar que precisam, a todo custo, de uma peça para tapar um buraco que só cabe a eles aprender a preencher.

Lembre-se: a solidão só existe para aqueles que ainda não se encontraram. Antes de aprender a agregar valor ao camarote dos outros, aprenda a agregar valor ao seu.

Agora peço licença, pois a filme já vai começar. E não posso furar com a pessoa que eu mais amo: eu.

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Ricardo Coiro

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