Se cuida, tá?

O chamado feito por uma voz metálica ecoou por todo o aeroporto. Ela, a responsável pelas recentes marcas em minhas costas e permanentes cicatrizes na minha história, precisava partir.

Havíamos prorrogado ao máximo a nossa despedida, mas, infelizmente, não tínhamos mais tempo nem para um último café curto. O voo 7272 estava prestes a decolar, e ela, incapaz de soltar a minha mão, ainda nem havia cruzado o portão de embarque.

Pensei em não dizer nada, em simplesmente virar as costas e fugir da dor daquele último abraço. Realmente pensei em sair correndo para não permitir que ela me visse, pela primeira vez, aos prantos e barrancos, desaguando a dor. Pensei em segurá-la forte e implorar para que ela desistisse daquela nova e promissora vida, do gelado país, do tão sonhado emprego… Mas eu a amava a ponto de ignorar as súplicas do meu coração e torcer para que ela fosse feliz sem minhas caretas diárias, meus ovos mexidos com orégano, meu “vai ficar bem” mentiroso, porém, calmante.

Então, pela última vez, carreguei as malas dela. Fui forte como sempre fingi ser e, com a boca involuntariamente trêmula, engoli a imensa vontade de chorar como criança. Não disse mais nada, e ela, já com as bochechas molhadas, apenas me disse para ficar bem e me cuidar direitinho. Pensei que não seria capaz de me cuidar sem a presença dela. Pensei, mas não disse nada. Apenas sorri com o maior esforço do mundo, pois, ao contrário da minha real vontade, não queria desencorajá-la ou impedi-la de correr atrás daquilo que ela sempre quis.

Segurei-a pelas orelhas, colei a ponta do meu nariz no dela e, olhando-a no centro das retinas, sem abrir a boca, desejei-lhe a maior sorte do mundo.

Ela embarcou naquele avião, e eu, finalmente, deixei as lágrimas caírem. Foz do Iguaçu. Então corri para o bar no qual nos conhecemos e, ao garçom, pedi uma garrafa de rum.

Oito horas depois, enquanto tentava pensar num plano para me reinventar, recebi uma mensagem dela: “Rô, cheguei bem. Fique bem!”. Diferente das últimas tantas vezes, ela não me chamou de “amor”; e eu, já completamente embriagado, com muito esforço, escrevi: “Ficarei, não se preocupe. Cuide-se aí”.

Fechei a conta e, ali mesmo, mesmo sem querer, abri uma nova vida. Pois a velha vida já estava em outro fuso horário, e eu, como quase sempre acontece, nada podia fazer a respeito.

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Ricardo Coiro

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