Não sei você, mas vivo avaliando e reavaliando minha vida. Todos os aspectos e ângulos, do campo profissional até os relacionamentos. Avalio, principalmente, porque temo as consequências da inércia na qual é fácil de cair, por não querer deixar que nenhuma possibilidade de melhoria passe batida, por crer no poder lapidador do tempo na vida dos que se mantêm conscientes e a fim de evoluir.
Avalio-me e reavalio-me, principalmente agora, neste cenário que às vezes me faz suspeitar que tudo não passa de ficção ou pesadelo, nestes dias de cárcere sem fim nem boteco nem abraço nem festa nem fé na capacidade humana de zelar pelo coletivo. Avalio pra caralho, e, numa dessas avaliações solitárias com café à mão e Word aberto, impulsionado pela sensação crescente de ansiedade e pelos conteúdos que venho consumindo em busca mais leveza, decidi virar a mesa, rumar em direção a uma vida mais minimalista.
“Menos é mais”, é o que os sábios vivem repetindo por aí, e, sob várias óticas, hoje acredito que eles têm razão. Porque a ânsia de abraçar o mundo e as infinitas e coloridas possibilidades da modernidade de uma só vez tem fundido diversos cérebros pela galáxia. Quase fundiu o meu, inclusive.
A evolução da tecnologia ampliou muito nosso cardápio de alternativas, nos deu acesso fácil e imediato a séries, podcasts, redes sociais, filmes, aulas online, dicas de beleza e maquiagem, aplicativos pra tudo quanto é fim, uma caralhada de coisas que transformariam este post num livro, e a falta experiência, bula e treino para lidar com esse open bar de troços arquitetados para fisgar nossa atenção e serem objetos de desejo imediato transformou-nos em seres que fazem muito, muito mesmo, mas tudo pela metade, de maneira rasa. Pelo simples fato de que nosso tempo e energia são recursos limitados.
Terminamos o dia exaustos, com a vista cansada e a impressão de que fizemos um bilhão de coisas. Mas, se tivermos coragem para um retrospecto realista das últimas horas, notaremos que nada foi feito até o fim nem com qualidade máxima: abandonamos séries, conversas, livros, e-mails, relacionamentos, exercícios, pensamentos… Pulando de galho em galho, movidos por impulsos incontroláveis, deixamos um rastro de tarefas inacabadas que nos enchem de frustrações e nos privam do orgulho energizante que só alcançamos quando construímos algo do começo ao fim.
Antes da pandemia e de me descobrir celíaco, eu costumava ir muito a rodízios de comida japonesa. Muitas vezes, porém, apesar de fisicamente saciado e da calça jeans aberta, deixava os restaurantes com a impressão de que eu não havia aproveitado de fato a experiência, e o porquê logo se fez claro: pela incapacidade de controlar minha gula, eu comia um pouco de tudo, até as coisas das quais não curtia muito, como rolinhos primavera, hot rolls e outras oleosidades; como se o fato de eu ter aquele bando de coisas fritas à disposição, tudo incluso no preço, tornassem-nas obrigatórias. Mas não eram, um dia eu entendi. Finalmente. Compreendi que, em prol de uma experiência mais prazerosa, focada nos niguiris de atum e em outras coisas que considero iguarias, eu precisaria abrir mão de muito do que me era oferecido. E foi o que eu fiz… Aliás… Fui além: depois de um tempo concluí que melhor mesmo era passar a frequentar restaurantes sem a opção de rodízio, nos quais, apesar de pagar o mesmo por uma quantidade menor de comida a la carte, eu recebia muito mais qualidade e poderia selecionar apenas os itens que realmente me apeteciam. Sacou?
Contudo, demorei a perceber que, se quero fazer da vida uma experiência realmente agradável e agregadora, é necessário que a viva com base no mesmo raciocínio que me motivou a trocar os rodízios por a la carte, sempre focando em qualidade em detrimento de quantidade. Compreende o ponto? Demorei a perceber, precisei me sentir realmente mal, perdido, mas hoje tenho uma coisa bem clara na mente: devido ao tempo, energia e recursos (grana, principalmente) limitados, preciso de sabedoria para elencar as prioridades da minha vida e, principalmente, de coragem para abrir mão do resto, de uma porção de coisas que, apesar de gostosas, não poderão fazer parte da minha rotina. Não se eu quiser alcançar o meu propósito. Não se eu quiser realizar tarefas com qualidade e entrega total.
Então, como gosto de fazer com tudo que desejo enxergar com mais clareza, após dias e mais dias de reflexão, coloquei minhas as prioridades no papel e criei uma rotina simples e praticável colocando-as como alicerces.
“O que não pode ficar de fora de jeito nenhum dos meus dias?”, perguntei-me, e cheguei aos 3 pilares fundamentais: atividade física, escrita/leitura e contato real com gente querida.
Atividade física porque sem um corpo e uma mente saudável todo o resto é inviável; leitura/escrita para que eu fique cada vez mais afiado e capaz de exercer aquele que considero meu grande propósito, que é gerar experiências memoráveis nas pessoas por meio das palavras; contato real com gente querida porque somos seres sociais, é biológico, e precisamos dessa troca constante e de qualidade para nos mantermos sãos.
Daí, com base nos 3 alicerces que considerei essenciais à minha vida, criei uma rotina na qual, todos os dias, faço no mínimo 40 minutos de exercícios e leio no mínimo 40 páginas de algum livro, hábito que chamei de 40/40. Além disso, decidi escrever no mínimo 1.000 palavras por dia, como Hemingway costumava realizar, e, diferentemente do que andava fazendo, resolvi tratar o oficio da escrita de maneira decente, sem interrupções ou paradas para postar stories ou responder directs. Com o celular no silencioso, na gaveta, ciente de que quase tudo pode esperar mais algumas horinhas para ser visualizado; e ao me afastar do smartphone, descobri como produzir melhor e por períodos mais longos, o que me levou diretamente àquela que julgo a mais importante mudança na minha rotina: apenas uma hora de redes sociais por dia, de domingo até sexta. Sábado é dia de detox mesmo.
A principio, mesmo ciente de que meu maior desperdício de tempo ocorria nas redes sociais, reduzir a janela de uso delas me pareceu a maior das loucuras. “Eu trabalho com isso”, pensei, tentando me enganar, arrumar uma desculpa para não largar o ossinho virtual. “E os relacionamentos, como manterei?”, ainda me perguntei, tentando fazer de tudo para não abrir mão do hábito que mais estava me prejudicando, hoje sei. Mas respirei fundo, racionalizei e compreendi que, para fins profissionais (divulgar meus escritos e interagir com leitores), bastaria uma hora diária. Questão de planejamento e ponto final. E em relação aos relacionamentos… Bom… Não é nas redes sociais que cultivarei os reais, não é mesmo?
No momento, devido à pandemia, pretendo regar minhas amizades por meio de telefonemas, chamadas de vídeo, essas coisas. Depois, no entanto, quero encontrar com aqueles que amo, de quem sinto falta dos abraços; bater papo sem celular até ser varrido bar afora. Pegada anos 90, quando ainda não havíamos virados zumbis das telinhas.
Ainda em relação às redes sociais, a meu ver as grandes vilãs da nossa era, decidi recorrer a um aplicativo para bloqueá-las nos períodos em que não planejo usá-las. Drástico, né? Para minha namorada, sim. Mas eu passava o dia todo olhando essas porras, abrindo o Instagram sempre que havia qualquer micro período de ócio. Conferir as redes sociais se tornou um verdadeiro cacoete (ou vício?), a ponto de eu abrir os olhos de manhã e, antes mesmo de esvaziar a bexiga e me livrar das remelas, já checar o celular – sempre dando-me a desculpa de que eu precisava me manter conectado devido ao meu trabalho e blábláblá.
“Nossa, e como você está sobrevivendo com apenas 6 horas semanais nas redes sociais?”, você deve estar se perguntando, já doida para terminar isto logo para retornar ao fluxo sem fim do Instagram. O que posso afirmar é: estou bem melhor assim, de coração, tão bem que este texto está sendo parido sem dor, rápido e fluído como só alguém sem celular apitando por perto pode conseguir. E nos momentos em que me pego ocioso, em vez de pegar o celular para ficar boiando na vida alheia de feed em feed, pego o livro da vez (afiar minha relação com as palavras, lembra?), mando um “oi” para algum amigo querido ou faço algo já tinha até desaprendido: converso comigo, com o meu silêncio. Porque antes eu não sabia mais nem como almoçar sem um vídeo do YouTube aberto, hábito que minha versão adolescente acharia absurda se eu voltasse no tempo e contasse a ela.
“Ei, cara, sou o Coiro do futuro, de 35 anos, e eu voltei aqui para dizer que, em 2021, você não será capaz de apenas almoçar.”
“Como assim?’
“Terá que almoçar vendo um vídeo no celular, ouvindo um podcast ou vendo os stories de algum médico bolander influencer que repete o bordão ‘água, limão e gratidão’ todas as manhãs.”
“Vídeo no celular? Storie? Influencer? Água, limão e gratidão?”
E por mais engraçado que isso possa parecer colocado assim, num diálogo por enquanto impossível fora da ficção, não deixa de ser uma verdade assustadora quando penso nos meus almoços solitários da década de noventa, nas feijoadas que eu batia nos botecos da vida enquanto divagava e observa atentamente o fluxo contínuo da cidade. Nem ai para o celular que só servia para ligar e mandar mensagem.
“Mas o que você faz com o resto do seu dia?”, você deve estar se perguntando, achando que só os 3 pilares não são capazes de ocupar tudo. Então vamos lá: acordo 7h30, bebo água e inicio meus exercícios (ouvindo música – não acho que tira o foco), o que termina por volta das 8h30. Daí relaxo por uns 15 minutos, tomo banho ouvindo rádio para me informar (é impressionante como dá para saber tudo que importa em apenas 15 minutos diários), faço um café e leio por cerca de duas horas. Aí, por volta das 11, começo a preparar o almoço que também será jantar. Faço com calma, com muito amor, seguindo o cardápio que foi feito no domingo anterior. Termino por volta das 12 horas, 12h20, e leio até 13h00; ai eu almoço até 14h00, lavo louça, faço mais um café e escrevo por cerca de três horas e meia, às vezes menos, às vezes mais… Então, foco um tempo nas coisas burocráticas (e-mails, envio de livros etc.), faço algum contato com amigos e família, janto e, às 21h00, entro nas redes sociais para postar e interagir. Até 22h00. Aí guardo o celular, tomo banho, leio mais um pouco, passo um tempo com minha namorada, vejo TV, durmo. Percebe como a maior parte do tempo foi investida nos 3 pilares que EU elenquei?
“Nossa, mas e o lazer? E as séries, filmes, canais do YouTube e todas essas maravilhas?”
Boa pergunta! Pois também precisei hierarquizar as formas de lazer a fim de apreciá-las com mais profundidade. E optei por aquelas que, a meu ver, agregam mais: filmes, música, podcasts e lutas na TV (MMA e jiu-jitsu).
“Então quer dizer que nunca mais verá uma série? Que vai parar de assistir aos vídeos do YouTube?”
Claro que não, véi! Ando doidinho pela nova temporada de Ozark. Mas, como meu tempo é limitado e não dá para abraçar tudo, quando estiver num momento de lazer vou dar prioridade a um bom disco acompanhado por um vinho, a um podcast que me trará ideias a novos textos, a um bom filme ou um UFC na TV.
Fácil, né?
Claro que não, de novo. Principalmente porque ás vezes bate aquela sensação de que estou perdendo algo, deixando passar vários trens. Mas aí eu me lembro de que eles, os trens que deixo passar, não levam a lugar algum – Ou você acha assistir diariamente à rotina de alguém que não faz muito mais do que tentar te vender produtos é algo realmente capaz de agregar? -, e respiro aliviado, fundo, como se eu tivesse acabado de notar uma verdade que as pessoas não conseguem perceber por estarem possuídas demais pelos smartphones que as controlam, aos quais são submissas.
E quando no meio de alguma atividade que considero importante, como escrita, me bate uma curiosidade (“o que comem as focas?”) ou a ideia para um storie, por exemplo, eu anoto num caderno, que abro em momentos de ócio a fim de matar essas pendências acumuladas. E sabe o mais incrível? Isso me provou que a maioria das coisas que julgamos urgentes, inadiáveis, pode ser feita mais tarde – ou até no mês que vem! Nós é que criamos esses prazos apertadíssimos e sofremos por eles. Nós! Nós é que nos acostumamos a responder tudo o mais rápido possível, quando a mensagem recém-recebida ainda está quente, sempre com a sensação de que esperar até o fim do filme ou do jantar para respondê-la pode ocasionar a extinção da humanidade – ou coisa pior, já que a humanidade nos últimos meses provou não ter tanto valor assim.
Mas 99,99% das mensagens podem esperar até os momentos do dia que reservará para vê-las. Dificilmente você receberá um áudio da sua avô, ofegante, dizendo estar trancada no banheiro e suplicando para correr à casa dela e salvá-la de um chupa-cabra que já devorou tudo menos ela, até bolo de fubá, salada de maionese, suplementos de cálcio e novelo de lã. Quase tudo pode esperar umas horinhas, repito. Quase tudo.
E antes que você confunda as bolas, pince frases deste texto e saia por aí declarando que sou contra tecnologia, que estou fazendo cursinho para virar Amish, faço questão de enfatizar que, apesar de curtir o ritual de colocar um disco e ouvi-lo de cabo a rabo, sigo amando o Spotify, a Netflix, o Waze e tantas outras tecnologias que, quando usadas com inteligência, podem somar, ajudar, facilitar e divertir muito. Apenas resolvi trafegar pelo farto buffet da humanidade de maneira mais consciente, focado; fazer/consumir menos, mas fazer/consumir com qualidade e até o fim; e em prol desse propósito, em muitos momentos, considero que nada substitui caneta e papel, a viagem proporcionada por um bom livro, o telefonema que termina com “fechou… às 20h00 eu passo aí e você me conta tudo. Até!”.