Pare de se adaptar àquilo que faz mal

A capacidade de adaptação figura entre as características mais incríveis que o ser humano possui, não há dúvida. Basta uma zapeada na TV a cabo para se deparar com gente sobrevivendo em climas extremos, alimentando-se apenas de animais estranhos sem tempero algum e dormindo em locais bem mais desconfortáveis do que a Toca do Gugu. Sem contar as tantas pessoas que perdem membros e capacidade motora devido a acidentes e, mesmo assim, reaprendem a viver – tornando-se novamente aptas a realizar todas as tarefas que faziam antes, até mesmo esportes e arte. De tirar o chapéu, não é mesmo?

Porém, existe uma gigantesca diferença entre “adaptar-se a cenários ruins por falta de opção” e “adaptar-se a cenários ruins por não perceber o mar de opções que tem”. Explico: se perder o movimento das pernas, por exemplo, a única alternativa que lhe restará será adequar-se à existência sem elas. Chorar e reclamar não a levará a lugar algum. Ponto. Por outro lado, se o seu marido está dizendo que vai mudar – e que vai começar a lhe respeitar! – há mais de cinco anos, não faz sentido algum continuar se adequando a este tipo de relação nociva e desequilibrada, saca? Mesmo que você tenha potencial para sobreviver a ela. Aliás, viver é algo bem diferente de sobreviver, né?

Se a cidade em que mora está intoxicando seu corpo e sua mente, por que continuar se esforçando para se habituar à aspereza dela? Por que não bolar um plano de fuga para um lugar em que conseguirá viver com mais paz e leveza? A prática quase sempre é mais difícil do que a teoria, nem precisa me dizer. No entanto, em muitos casos, nem sequer levamos a possibilidade de mudança em consideração, e por medo de enfrentar as dores e riscos inerentes a qualquer transição, permanecemos vidas inteiras afogados em zonas de conforto que não nos trazem qualquer satisfação ou benefício. Pelo contrário: que nos colocam cada vez mais para baixo, dia após dia, dando-nos a sensação de que estamos fadados àquela situação corrosiva.

Passei cerca de cinco anos frustrado com a minha profissão, sentindo-me condenado a passar a maior parte do meu tempo criando planos de comunicação, trabalhando em prol de causas que não aceleravam meu coração e invejando aqueles que conseguiam viver apenas da escrita. Passei cinco anos tentando me conformar, dizendo ao meu reflexo desanimado coisas como “É isso que tem pra hoje!” e “Tem gente que faz coisa muito pior!”. Passei cinco anos buscando maneiras de me adaptar àquele cenário profissional que não me dava o mínimo de tesão e que transformava os finais de domingo, todos eles, em momentos agonizantes. Passei cinco anos sem perceber que o melhor a fazer era parar de aceitar as farpas que sentia e criar uma estratégia para, finalmente, arrancá-las.

Até que, num belo e escaldante dia de dezembro, eu me virei às possibilidades para as quais dava as costas por pavor. Voltei-me a elas, encarei-as nos olhos e me perguntei duas coisas: “O que preciso para atingi-las?” e “Qual o maior risco?”. Para a primeira pergunta, respondi: dedicação extrema à escrita, perseverança mesmo em dias de tempestade, um “pé de meia” para me sustentar no primeiro ano e mudanças de hábito capazes de diminuir meu custo de vida pela metade. Para a segunda pergunta, mandei: “Ter de me recolocar no mercado publicitário”. E então, pela primeira vez, deixar o publicitário de canto e assumir o escritor me pareceu coisa viável. E a continuação dessa história vocês já sabem, certo? Para quem ainda não sabe, um resumo: de Havaianas nos pés há três anos tenho feito algo que amo e que, de quebra, ainda leva emoções boas e reflexões à vida de muita gente fina, elegante e sincera como você.

Se minha vida profissional é feita apenas de maravilhas? Claro que não! Meu salário ainda não tem sido suficiente para o custo de vida desta megalópole na qual flanelinhas chegam a cobrar quinze reais por vagas públicas. Mas eu não sou o mesmo de antes, não sou mais o prisioneiro passivo que, em vez de procurar saídas, preferia se adaptar ao cárcere. A prova: estou prestes a deixar Sampa. Não é ficção. Pois neste mundão imenso sobram-me alternativas mais adequadas àquilo que busco e posso bancar. Compreende? Espero que compreenda, de coração. E espero, também, que não se adapte a coisas que só lhe fazem mal.

Não estou dizendo para tomar atitudes totalmente impensadas, apenas por impulso. Não quero que mergulhe em qualquer lago turvo sem antes cogitar os riscos de se quebrar toda. Nada disso! Contudo, se vive num lar em que falta respeito e sobra covardia, pelo seu bem, mude-se! Se passa nove horas por dia – e cinco dias por semana – fazendo algo que odeia, busque alternativas que a deixarão mais satisfeita, mesmo que tenha de ganhar menos – dinheiro não compra satisfação, afinal. Se o castanho do seu cabelo há tempos não a faz sentir-se linda, vá ao salão já, e só saia de lá ruiva! Ou de cabelo azul, ou com as laterais raspadas, ou de um jeito que fará com que se apaixone, mais uma vez, por quem nem sabe mais que é. Se a sua alimentação anda lhe fazendo mal, não espere a próxima segunda-feira para mudar o conteúdo da sua geladeira. Sacou o espírito?

Lembre-se: poucas são as prisões realmente inescapáveis para aqueles que têm um pouco de coragem, muita força de vontade e um caminhão de foco.

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Ricardo Coiro

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