Não há posse em uma relação onde sobra respeito

Outro dia, enquanto assistia a um vídeo no qual o Jared Leto canta uma música da Rihanna, senti vontade de deixar a cabeleira crescer. “Se não fizer agora, logo a escassez de fios me impedirá de fazer”, concluí. E comecei a buscar referências de cabeludos no Google. Um print vale mais do que mil palavras, afinal. Não acha? Eu tenho certeza! Da última vez em que tentei explicar um corte eu saí do salão com pinta de Ronnie Von apesar de ter mirado no Santoro, para ter uma noção.

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Após alguns minutos de busca, decidi: quero um lance meio Johnny Depp. Eu sei que o Depp é o Depp, nem precisa me dizer. E sei, também, que ele é o único homem do planeta que fica estiloso depois de enrolar panos de prato usados no pescoço, meter umas tattoos de presidiário, vestir um colete de brechó e se encher de pulseiras e colares vendidos em feirinhas por gente de zóio vermelho e fala mansa. E mesmo assim estou a fim de arriscar. Mais bizarro do que o ninho ostentado pelo Trump não fica, certo? E “rapar” na máquina dois sempre será uma opção justa para recomeçar.

O que minha namorada pensa disso? Não gosta muito, não. Assim como eu não gosto muito do ruivo que ela quer aplicar em breve, assim que mudarmos de cidade. Mas concordamos plenamente em uma coisa: o fato de estarmos em uma relação séria não nos dá o direito de dizer “Não faça”. Não somos e nunca seremos donos um do outro, sabemos disso. E apesar dos vários “Prefiro assim” e “Não acho bonito” sinceros que vivemos a nos responder, discordamos com todas as nossas forças das relações em que frases como “Você não vai sair assim!” ou “Se fizer mais uma tatuagem…” sobram. Não discordamos dessas relações, na verdade, e sim daqueles que tratam o parceiro como um objeto sobre o qual possuem pleno direito; achando, inclusive, que têm poder de veto.

O “Sim, eu aceito!” que dá inicio um laço não significa “Parabéns, agora é meu dono e pode fazer o que quiser comigo”. Alianças são apenas símbolos materiais de comprometimento, só isso! Nada têm a ver com coleiras ou algemas. Compreende? Espero que sim, de verdade. Pois conheço gente que age como se possuísse o parceiro; fazendo, até, ameaças que visam impedir desobediências: “Deixa o cabelo curto para ver o que acontece…”. Hã?

Já disse em outro texto e repito: ter gatos é uma ótima forma de aprender a se relacionar com respeito. Por quê? Pois os gatos, diferente dos cachorros, enxergam os humanos como parceiros, e não como donos. Sendo assim, apesar do amor que têm por nós – e que várias pessoas sem embasamento vivem a negar -, não rolam nem se fingem de morto quando queremos. Não adianta. E isso nos ensina que se relacionar, antes de tudo, é aprender a respeitar a individualidade, os limites e as vontades do outro. Os gatíneos nos ensinam, também, que a melhor forma de aumentar as chances de manter quem amamos próximos é trata-los com respeito e amor. Simples assim, né? Eles vêm no meu colo porque se sentem bem perto de mim, porque sabem que não vou tentar impedi-los quando quiserem dormir no sofá ou correr atrás de mariposas pela casa; não porque estou mandando.

“Ter gato é chato. Eles não fazem as coisas que queremos!”, uma amiga me disse. Ela prefere o controle que consegue exercer sobre cachorros, entendo. Mas entendo, também, que essa necessidade de posse é um sinal irrefutável do egoísmo que vem implodindo a humanidade. Um sinal da ânsia que temos de fazer com que todos, sem exceção, ajam de acordo com as nossas necessidades e preferências.

Lembro-me com clareza da resposta que um amigo me deu quando perguntei por que ele tentava, a todo custo – e geralmente com afirmações imperativas -, impedir que a namorada fizesse uma tatuagem: “Porque terei menos tesão se ela fizer isso”. Egoísmo puro! Pois denota que ele nem sequer se preocupou com o tesão dela; sentimento que ela certamente perderá se ele continuar a dar demonstrações “umbiguistas” do tipo.

Sabe por que a minha relação atual tem dado mais certo do que as anteriores? Eu sei: porque compreendo que não possuo a minha namorada – e vice-versa. Em vez de tentar prendê-la ou mudá-la como fiz com as anteriores, entendi, de uma vez por todas, que o melhor que posso fazer para deixá-la com vontade de ficar é nunca impedi-la de sair, de ser ela, de evoluir, de crescer… Compreendi que incentivar o voo me torna muito mais atraente do que aquele que tentava ser gaiola.

Continuarei afirmando que o colete bege dela é horrível, é verdade, mas nunca a impedirei de usá-lo. O mesmo acontecerá em relação a um tênis meu que ela odeia e diz ser de astronauta. Tenho certeza de que ela nunca o jogará no lixo quando eu cochilar no sofá da sala. Ela continuará saindo com as amigas sempre que quiser, e não apenas quando eu sair também ou quando estiver viajando. E assim, independente do comprimento e coloração dos nossos cabelos e das superficialidades engraçadas que escolhemos para ornamentar nossa carne, continuaremos a demonstrar respeito – a única coisa que nunca sai de moda.

OBS.: é verdade que a ingestão de proteína ajuda no crescimento capilar?

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Ricardo Coiro

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