Ouça o que não digo nem à força, mas não me diga que o melhor a fazer, agora, é berrar o que ricocheteia dentro da cabeça.
Não mexa em minhas fraturas expostas, por favor.
Deixe-me aqui, encolhida; entre mísseis e bandeiras brancas.
Deixe minhas guerras em paz. Deixe minha paz em guerra.
Eu as cultivo com muita maquiagem borrada e The Cure. Eu as rego com Mertiolathe do antigo, para saber que ainda estão aqui, ardendo em algum canto. Eu preciso delas para me lembrar de que esta terra está cheia de minas, e que nem todas contêm ouro.
Ou negará a existência dos amputados?
Não, não negará. E não me negue, também, o direito de sentir pontadas em meu coração que, às vezes, parece-me só membro fantasma, algo que precisou ser removido depois que muitos tentaram, sem sucesso e com asfixiante insistência, repará-lo. Aliás, qual a dificuldade de reparar em mim sem tentar me reparar, hein?
Está frio lá fora, eu sei. Sei, também, que o chão está coberto por cacos e resquícios do último quebra-quebra. Mas, mesmo assim, sairei só de camiseta e descalça. Para sentir algo. Qualquer algo! Qualquer coisa que me mantenha bem longe das garras da apatia. Qualquer tremor que me afaste do total congelamento. Qualquer coisa que me chute para bem longe do que nada bate.
Não mexa em minhas fraturas expostas, por favor. Senti-las é bem menos perigoso do que esquecê-las, acredite. Senti-las é o que me mantém preparada para a humanidade, para aquilo que os filmes vivem a esconder para nos dar algum alento, anestesia. Aliás, afaste-se de mim com suas agulhas e comprimidos. Fique bem longe de minhas veias, ouviu?
Não mexa em minhas fraturas expostas, por favor. Ou me esquecerei dos bandidos, estupradores, invejosos, parasitas, canibais, mentirosos… E a pior coisa que pode acontecer é achar que não passam de lenda.