Nada me acalma tanto quanto a sua mão

Hoje passei o voo entre São Paulo e Florianópolis mergulhado em fragmentos da nossa história, fotos de nossos fatos.

Você sabe o pavor que tenho de a charrete alada despencar e eu, finalmente, ser obrigado a testar os tantos procedimentos de segurança para os quais não dou mais bola, não sabe?

Então, para não reparar nas nuvens grisalhas e gorduchas que o avião precisou atravessar, refugiei-me em nosso  álbum recheado de fotos.

Vi imagens pacas, uma atrás do outra, só parei para abrir o pacote de biscoito – que mais parecia comida de chinchila – que me deram.

Comecei sem grandes pretensões, apenas para não ter de olhar à janelinha oval nem prestar atenção nas convulsões que a aeronave às vezes esboçava. Depois de algumas fotos, porém, e de nos ver posando para selfies e retratos tirados por prestativos estranhos, fui inundado por uma potente sensação de realização.

Realização, isso mesmo que leu! Ou você tem palavra melhor para descrever o nosso bonito momento que é, sem dúvida, resultado dos tantos esforços que fizemos em prol da nossa relação?

O que eu quero dizer com “esforços”? Paciência, por exemplo.

Ou acha que, sem paciência, aquele casal paulistano desprovido de planos que fomos, formado por aspirantes a rock stars decadentes sem fé no futuro, teria evoluído àquilo que somos agora: uma família manezinha (com direito a dois gatos gulosos, uma miniatura do Lemmy e um macaco de pelúcia) alimentada por muito amor, cafuné e molho feito com tomate pelado?

Sem a sua paciência para aguentar minha ansiedade e verborragia, não teríamos ido muito além das bebedeiras de 2014 em Minas Gerais que hoje revi sem conseguir entender como é que nosso fígado ainda funciona.

Sem a minha paciência para aguentar seu mau humor matinal e furacões hormonais que mudam o clima do nada, a última atualização do nosso álbum de fotos provavelmente teria acontecido antes do dia em que resolvemos morar na mesma casa, há mais de um ano e meio. Se é que chegaríamos até lá, né?

Agora, porém, suposições pouco importam: graças à nossa vontade de fazer dar certo e às atitudes e posturas que derivaram dela, fica fácil constatar que chegamos muito mais longe do que podíamos imaginar no dia em que nos trombamos num boteco sujo de SP – a cidade onde não existe amor, de acordo com os seres de coração estropiado.

Chegamos ao ponto de acumular uma coleção de retratos que já não cabe mais nas memórias dos nossos celulares e um exército de memórias que só estão em nossas cabeças; momentos simples e inesquecíveis vividos sem necessidade de aplicativos, bateria ou efeitos especiais; páginas já passadas por nós às quais recorremos quando um capítulo da vida está duro, difícil de ultrapassar.

Hoje, entre Sampa e Floripa, fiz uma retrospectiva de nós. E o melhor de tudo foi perceber que, neste mundo de mudanças supersônicas e rasas relações alimentadas por emoticons, ainda somos nós; uma versão de nós mais sensível ao poder debilitante do álcool, na verdade. Pois metade das cervejas que tomávamos quando nos conhecemos tem bastado para nos transformar em walking deads incapazes de executar tarefas básicas, como tirar fotos com foco e fritar ovos sem carbonizá-los.

Ainda somos nós, e é isso que importa. E, de todo coração, espero que assim continuemos por muitos retratos e memórias. Mesmo que você permaneça me acusando, injustamente, de roubar o edredom na calada da noite. Mesmo que você continue a acordar com a cara de braba que a Ronda Rousey fazia nas encaradas do UFC.

É impossível ter a certeza de que continuaremos juntos para sempre, né? De uma coisa, porém, eu sei: nossa história, até aqui, já valeu “pá carái”. Valeu tanto que, se um gênio da lâmpada aparecesse e me concedesse apenas um desejo, sem hesitar eu pediria mais muitos anos ao seu lado. E se ele me desse direito a dois desejos… Bom, aí eu pediria tudo em sushi e viagens, né? E a levaria comigo, claro. Porque quando o avião treme nada me acalma tanto quanto a sua mão.

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Ricardo Coiro

Ricardo Coiro

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