Joguinhos que nada: eu me jogo!

O mundo anda gamer demais pro meu gosto, preciso desabafar. E antes que você, cujo ganha-pão é exibir suas partidas em plataformas de streaming, atinja-me com fones de ouvido tamanho GG, explico: tô me referindo aos seres que curtem jogar com o coração alheio, que encaram as relações — das ficadas ao casamento, não importa — como uma rodada de dama.

E, agora que já entreguei minhas 36 primaveras usando um jogo de tabuleiro como referência, aproveito para afirmar que o passar do tempo, ao contrário do que fez com meus joelhos e lombar, ajudou-me a construir uma importante noção de responsabilidade no que diz respeito ao sentimento alheio.

Já fui o típico moleque cheio de contatinhos e com zero maturidade, confesso. A cultura em que fui criado me incentivava a ser assim, fazia-me crer que homem, com H maiúsculo (como se existisse essa baboseira), devia sair por aí pegando todas, deixando rastros de lágrimas e átrios partidos pelo caminho. No entanto, quando me aproximei dos 30, o sol da empatia me pegou de jeito, eclipsou a parte de mim que só pensava em meu umbigo, amadureceu o que ainda estava verde aqui dentro. Mais do que isso: as tantas perdas, sustos e rasteiras que tive no decorrer da jornada me fizeram entender que a vida é muito frágil e fugaz para perdermos nossos preciosos minutos com atitudes que pouco têm a somar, e pior: que podem acabar ferindo (a nós mesmos, inclusive), causando traumas, ampliando o número de pessoas que já desistiu de tentar se relacionar, que prefere ficar só na série, no sorvete e no sugador.

Que me perdoem os coaches de redes sociais e todo aquele papo de psicologia reversa como arma de conquista… Que me desculpe a amiga bem-intencionada que aconselha a fingir que não tô nem aí para ser desejado… Perdoem-me porque, a meu ver, esse tipo de coisa é tão sem sentido e superficial quanto aqueles coletes de frio que deixam os braços expostos. Além do mais, não tenho estômago nem paciência. Nem vocação, sério! Não nasci com essa frieza, não possuo o tracinho de psicopata que ajuda certas pessoas a fingirem indiferença total quando, por dentro, estão morrendo de vontade é de expressar o que estão sentindo.

Quando eu tô a fim… ah…. fica tão na cara, no sorrisão embriagado que não consigo disfarçar. E não paro por aí: eu me declaro por áudio, ligação, ao vivo; mando mensagem com figurinha brega cheia de corações, foto minha na lavanderia, vídeo de receita, de filhote de gato, de tudo que ela precisou mencionar só uma vez que tem interesse; escrevo bilhetes, cartas, contos, poesias, livros inteiros; vou ao shopping para comprar pilhas e volto com um difusor porque ela é louca por cheiros; vou ao supermercado comprar abobrinha e retorno com o chocolate amargo que um dia ela afirmou amar; saio da loja de conveniência com um par de Havaianas só para deixar bem claro o quanto no Posto Ipiranga tem de tudo mesmo, até cara apaixonado pensando nela. Saca?

Em vez de fazer o que os gurus do amor recomendam, fingir que não tô nem aí e coisa e tal, eu logo digo: “Tô aqui, pode contar comigo pro que der e vier. Mesmo!” E se a pessoa por algum acaso precisar, se ela me mandar pedido de ajuda em Código Morse de madrugada para avisar que está perdida na mata só com uma paçoquinha e meio copo de chá, eu pulo da cama, encarno Bear Grylls (você não tem Discovery?), reúno gente, pinto o rosto, faço mutirão, mando fazer camiseta e cartaz, ligo pro Obama e mando convocar o Chuck Norris e o John Wick, vejo tutorial para transformar gatos em farejadores profissionais em 3 passos simples, coloco tudo na mochila e vou. Até achar!

“Nossa, que exagero Coiro!”, você deve estar dizendo. Ok… Tem razão…. Vamos a um exemplo mais factível: se a pessoa por acaso me pedir ajuda para pintar uma sala, vou contrariar aquele amigo que dirá para eu inventar que não posso, que tenho outros compromissos. “Você precisa se fazer de difícil”, ele recomendará. Mas eu não desses: o ato de querer me deixa facin, facin, daí, na lata, respondo: “Topo. Quando a gente começa a brincar de Picasso?”. Se bobear, faço até playlist especial, levo brigadeiro para dar energia, proponho selfie dupla no meio da sessão de pinceladas só para lembrar do dia, digo “te quero pra caralho” sem pestanejar se meu coração estiver mandando. E vou além: se sentir que esse querer já é mais do que paixão, se sentir que cresceu a ponto de virar amor, solto também. Um sonoro “Eu te amo.” Ou pinto, por que não? Não é banal como um bom-dia, eu sei, mas também não precisa ser expressado só depois de anos de convivência como alguns pensam. Tudo é intensidade, afinal. E eu, em primeiro lugar, dou sempre razão ao coração.

É claro que tudo muda de figura se existir um compromisso real, se eu já tiver combinado alguma coisa com um amigo, jantar de família, aula de Zumba… Aí eu digo a real, que não dá, mas deixo claro, também, que adoraria num outro dia, numa outra hora. Porque eu prefiro sempre deixar minhas intenções às claras, na mesa, o que me parece cada vez mais raro neste mundo de meias palavras, triplos sentidos e muita brincadeirinha com coisa séria.

“E em casos em que há vontade mútua, mas existem obstáculos no caminho?”, você deve estar se perguntando, lembrando-se daquele “quase” que tem até hoje entalado na garganta, do carinha que morava a 200 km daí e, por causa disso, afirmou que não tinham futuro e blábláblá. Certo? Bom, se eu realmente acho que é possível, que existe sentimento dos dois lados, eu jogo a real, digo que estou disposto a tentar, a contornar as pedras do caminho, alinhar expectativas às possibilidades do momento, essas coisas importantes em qualquer tipo de relação. Mais do que isso: faço questão de mostrar, por meio de ações, que sigo interessado e disposto apesar dos pesares.

Nem sempre é fácil. Nem sempre o momento é o mais perfeito. Nem sempre acontece como num conto de fadas. Eu sei de tudo isso. Contudo, na minha visão de mundo que me parece cada vez mais arcaica nestes tempos, tudo tende a ficar ainda mais complicado e sofrido se as pessoas seguirem nessas encenações, mostrando apenas o avesso do que desejam, vivendo à base de indiretinhas, ceninhas e tantas outras pequenices perto da magnitude da beleza de um laço transparente entre duas pessoas.

Talvez, você também seja assim, uma espécie em extinção neste troço que já me parece um imenso playground sem regras nem freio. Se for, por favor, aguente firme. Siga usando e abusando das transparências, sem disfarçar as evidências (valeu, Xitãozin). Exige coragem, tô ligado… Mas, certamente, vai levá-la a trocas muito mais memoráveis e profundas, mesmo que apenas por uma noite. Conexões fortes que só florescem quando estamos nus, de fato, nem aí aos covardes que recomendam viver a vida toda como um teatro.

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Ricardo Coiro

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