“Bilhões de pessoas no mundo e você sofrendo por uma?”, é a pergunta que fazem aos sofredores do coração. Eu mesmo já a repeti, confesso. Hoje, porém, tenho uma opinião bem diferente: esse tipo de questionamento “coachiano” é genérico e desconsidera a unicidade dos encontros e das pessoas, a força e honestidade do vínculo que construímos com elas, a precisão e ternura do encaixe entre peles, bocas, papos, desejos, conchinhas, risadas etc.
Há 8 bilhões de pessoas no mundo, é verdade… Mas é possível (se deu sorte) que a vida tenha lhe apresentado um serzinho com quem a sintonia é tão forte que parece até coisa de outro mundo, outras vidas, sei lá.
Você pensa em brigadeiro, só saliva, e, minutos depois, ele aparece com um prato fundo cheio da delícia quente e duas colheres. Então, no meio do jantar, você pede uma música à Alexa, Black Pumas, e ele, sorrindo de estupefação, com um brilho no olhar que entrega tudo, diz:
“Não acredito, era exatamente o som que eu queria ouvir.”
Você, que já conheceu inúmeras pessoas pela vida, de repente, numa trombada qualquer que parecia impossível de ser ignorada, descobre alguém com quem, até ficar em silêncio absoluto, cada um em seu notebook, é confortável como aqueles sofás da Tok&Stok que a gente só senta na loja mesmo, quando o vendedor vira as costas; alguém com quem o papo flui fácil e macio do bom-dia ao boa-noite, com quem os assuntos vão emendando um no outro como se tudo já estivesse escrito num roteiro bonitão. Alguém com quem fazer planos, mesmo que seja só pão de queijo e café num domingo preguiçoso, soe tão natural quanto rebolar no Carnaval, cantar Evidências no bar, essas coisas irresistíveis.
Você passa a admirar a pessoa, a querer saber muito mais sobre a vida dela, a torcer (mais do que pelo seu time do coração) para que ela consiga alcançar todos os sonhos, para que nada a faça murchar. Você se interessa de fato, entende? E quando fica na cara que é recíproco então, que além de desejar suas mordidas no pescoço e piadas bobas no trânsito, ela quer que você conquiste tudo e mais um pouco que almeja… Ah… Aí o tum-tum fica em ritmo de Timbalada.
Você a acha linda dos pés à cabeça, das roupas coloridas às pretas, segue assim desde o primeiro encontro, mas os momentos de intimidade que tiveram, sem calça nem maquiagem, sem pompa nem pudores, descabelados, dormindo agarrados mesmo em dias quentes, fizeram-no se encantar por uma beleza ainda mais potente e real, o tipo que não se vê fácil no Tinder nem na Vila Madalena; beleza que também transbordou de olhares, risos de canto de boca, sussurros direto no ouvido… Beleza que se criou nas minúcias e detalhes de um encontro de almas, e que, por isso, já é impressão digital, peça única na galáxia. Aconteça o que acontecer depois.
E não para por aí: vocês já começaram séries, pensaram em viagens, passeios, piqueniques. Vocês já têm receitas salvas no celular para dias frios, laricas, jantares comemorativos. Têm vinho na adega, meio saco de arroz arbóreo no armário, um parmesão que não vai aguentar muito mais na geladeira. Já têm uma história, capítulos da vida só seus.
Vocês, num espaço bonito e intenso (assim deveríamos medir) de tempo se entregaram um ao outro, venceram o medo de quebrar o coração, trocaram muito mais do que saliva e fluídos corporais: fizeram um intercâmbio único de vida, energia, e de cada encontro saíram mais revigorados, com a certeza de que todo minuto junto valeu a pena.
Não é isso e que aconteceu? Sei que é. Por essas e outras que, embora estejam separados neste momento, fica difícil simplesmente ignorar tudo que já viveram, as tantas coisas belas e gostosas que ficaram pela metade. Fica difícil esquecer o cheiro, os gostos, o toque, o olhar decidido que engolia. Fica impossível não pensar nessa pessoa tão singular, em como se uniam tão bem, e acreditar que há mais versões dela neste marzão de gente.
É claro que há mais gente fina, elegante e sincera nas infinitas avenidas da vida. Não tenho dúvida. Mas volto a mencionar, como razão para não cair na besteira de achar que todo amor é líquido e descartável, a tal da sintonia e o quanto ela não depende só de esforço e vontade. Volto a falar de certas unicidades, de encaixes singulares, momentos que você, mesmo sem ter vivido todos, sabe que foram muito acima da média, especiais a ponto de lhe fazer pensar se não estava num sonho.
E se a separação de vocês tem tudo para ser hiato, se só tem cara de incompatibilidade de momento que pode ser ajustada com paciência e honestidade, se não houve nada grave (traição, desrespeito, abuso etc.) a ponto de fazer todo sentimento e vontade amornarem de vez, se você acredita que há muita saudade do lado de lá também, então, você ouve alguém falando sobre as bilhões de pessoas no mundo e o lero-lero entra por um ouvido e sai pelo outro. Você simplesmente não quer mais ninguém, só tem uma pessoa em cada cantinho da cabeça, até mesmo no cômodo que um dia entregou a outra. Não tá nem um pouco a fim da amiga gostosa que amigos querem apresentar. Não dá trela ao rapaz bonito do direct. Tem até calafrio só de pensar em voltar aos apps de relacionamento. Não quer virar a página e ponto! E o motivo é simples: segue apaixonado por tudo que leu nela, apaixonadíssimo, antes de tudo pela boniteza rara dos dias em que vocês se sentiram equalizados (ouça a música Equalize, da Pitty, e entenderá).
Segue apaixonado até a tampa, sentindo falta dos beijos, carinhos e abraços dela mais do que sente falta dos doces que sua bisavó mineira fazia, e, independentemente dos conselhos genéricos de gente que não viveu tudo que você viveu com a pessoa, enquanto você achar que ainda há uma chance de retomarem aquela dança única cuja graça poeta algum tem condição de retratar por completo, seguirá lutando. E lutar, antes que você pense apenas numa Kombi parando em frente ao trabalho dela para soltar declarações bregas num megafone, pode acontecer de diversas maneiras; seja demonstrando que você mudou um hábito que a incomodava, seja dizendo tudo que ela esperava ouvir e você não dizia por pura covardia, seja enviando um iFood com as delícias que ela tanto ama… Seja, até, controlando toda sua ânsia de enchê-la de carinhos e mensagens para que ela, antes de tudo, perceba que você é diferente (único?), que está disposto a dar todo o espaço do qual ela carece para reajustar o próprio jardim antes de convidá-lo, mais uma vez, a um passeio inesquecível por ele.
E antes que a turma do “a fila precisa andar” venha lhe dizer que está fazendo papel de trouxa e coisa e tal, fique sabendo que só você pode mensurar a potência do que tiveram e o quanto vale acreditar num recomeço. Só você.
É óbvio que você precisa regar seu amor-próprio, aprender a viver lindamente sem a pessoa e tudo mais. Não estou dizendo o contrário. Mas amar-se acima de tudo não significa que você tem que abrir mão de algo que somava pacas, acrescentava luzes e cores raras a seus dias. Não quer dizer que precisa virar as costas ao dueto afinado que arrepiou cada pelinho seu. Saca? As pessoas às vezes confundem as coisas, acham que tudo é muito matemático, que só pode ser isso ou aquilo; acham que o fato de querer retomar algo com uma pessoa especial é, necessariamente, sinônimo de não se amar o bastante. Especialmente se ela pediu o break. Seria se achasse que não pode sobreviver sem ela, que ninguém nunca vai amá-lo o suficiente, essas coisas. Achar, contudo, que ainda há samba singular entre vocês, e não querer desistir dele – como as pessoas hoje descartam celulares e ficantes – não é errado nem feio, acredite.
E sabe a melhor parte: se em algum momento você tiver a certeza de que realmente acabou, que tudo ficará guardado apenas na memória, dormirá tranquilo por ter feito seu melhor, por não ter simplesmente desistido de alguém que considerava extremamente especial no primeiro obstáculo que surgiu no caminho.