Viver, entre outras coisas, exige que aprendamos a lidar com a presença de Quartas-feiras de Cinzas. Nada é eterno neste troço frágil chamado existência, afinal.
Sinto muito por atingi-la com meu excesso de realismo logo após os dias que passou escondida sob máscaras e fantasias, porém, para evitar futuras frustrações incapacitantes, eu me sinto obrigado a lembrá-la de algumas hipóteses possíveis: namoros terminam de repente, numa pizzaria qualquer, mesmo que ainda esteja repleta de sonhos que só parecem possíveis quando compartilhados; amigos do peito, daqueles que lhe dariam um rim se por acaso precisasse, partirão do nada, sem direito à saideira estupidamente gelada seguida de pão de queijo borrachudo na conveniência de um posto de gasolina; bichos que a amam de maneira incondicional, sem ligar para seu bafinho matinal e aos comprimidos amargos que os obriga a engolir, vão lhe deixar sem última lambida na cara ou ronronada-Maracugina; você terá que arrumar as malas e voltar à realidade quando sentir que ainda há muito a viajar; carnavais terminarão bem antes das suas energias, serpentinas, confetes, estoques de beijos…
Aquilo que tem hoje, e que agora lhe parece inabalável, amanhã – ou daqui a um milésimo! – pode ruir, apodrecer, sumir, perder-se, partir, morrer… Certas coisas são mais estáveis e duráveis do que outras, é verdade. E algumas, como o Carnaval e iogurtes gregos, têm prazos de validade bem definidos. Mas não se esqueça: nada é totalmente imune ao poder corrosivo de um ácido chamado tempo.
Pensar na iminente e inalterável finitude das coisas que amamos, muitas vezes, deixa-nos com a sensação de que há um intragável bololô com textura de caramelo em nossa goela, eu sei. É algo que precisa ser feito por todos, contudo. E para que domingos e dias “ressaquentos” como hoje não se tornem insuportáveis, motivos para manusearmos cascavéis e fios desencapados com total displicência, precisamos aprender a aceitar os inúmeros pontos finais que, independente do que desejamos, aparecem em nossas vidas. Aceitar é pouco: precisamos nos tornar capazes de enxergar os the ends como possibilidades de recomeços. Pois é isso que são na grande maioria das vezes.
Demorei a aceitar o fim do meu primeiro namoro. Chorei por dias. E sabe o motivo? Eu acreditava piamente no infinito, no “para sempre” que jurávamos por SMS (o WhatsApp ainda não havia nascido). Até que, num belo dia, eu entendi que precisava começar um novo ciclo. Se foi fácil? Claro que não! Eu sentia a falta dela. Por alguns meses, senti-me um recém-amputado em processo de reabilitação, reaprendendo a viver sem o membro perdido. Mas eu segui em frente e, para este texto, é o que precisa ser enfatizado. Segui em frente até que a dor daquele fim, que começou de forma lancinante, virasse apenas uma memória que eu, neste instante, consigo evocar sem vodca à mão ou necessidade de outros anestésicos.
Carnavais e paixões terminam, eu sei. Mas a vida – e a folia que independe da presença de blocos e alegorias! – pode continuar se você parar, de uma vez por todas, de acreditar que só a música recém-findada é dançável. O samba das nossas vidas precisa continuar, e não podemos esperar mais um ano! O samba da sua vida precisa continuar com ou sem aquele que, por muito tempo, foi seu parceiro na avenida. O samba precisa continuar, independente das tantas coisas que ainda perderemos pelo caminho; até o imparável dia em que nos tornaremos apenas um bocado de cinzas e saudade – a Quarta-feira de Cinzas de alguém.