A verdade sobre ser bem-sucedido que você não vê em redes sociais

Just do it, diz o comercial estrelado por superatletas que nada se parecem com você nem comigo. Ou impossible is nothing. Ou… Daí você abre o Instagram e vê o coach que bate ponto em Noronha afirmando que o segredo do sucesso, para não ser uma bunda mole, é acordar às cinco da manhã, fazer jejum, meditação, correr dez quilômetros, desjejum low carb de baixo índice glicêmico com caldo de ossos… Aí, já se sentindo um tanto fracassada, em busca de alguma motivação boia mais um pouco no mural de rolagem infinita onde demonstrações de tristeza e dobras na barriga parecem ter sido criminalizadas, o oposto do que um ser bem-sucedido deve compartilhar se quiser andar casas no jogo da vida. Então, com a sensação de que é gorda e deprê demais para chegar a algum lugar de destaque no mundo, que seu destino é ser mesmo uma bostalhona, você depara com a nutri queridinha das celebridades dizendo tudo que você deve cortar da sua alimentação para ser saudável, produtiva e bulletproof. Para ser funcional. Top. Para ter a barriga chapada e o bumbum na nuca. “Açúcar é veneno, leite é coisa pra bezerro, a frutose da banana pode danificar seu fígado, o glúten de hoje não é mais como antigamente…”, ela afirma sem mostrar estudos, baseada em opiniões de médicos suspeitos que enriqueceram vendendo e-books para pessoas desesperadas por qualquer fórmula mágica anti-idade, anticâncer, anti… Antídotos milagrosos contra tudo aquilo que nunca poderemos vencer. Depois de responder ao seu comentário sobre arroz e feijão com desdém, como se você fosse uma maluca por tentar manter no dia a dia aquilo que desde pequena come, em tom de bronca ela sugere que você tome kefir, que inclua quinoa, chia, gojiberry, amaranto e outras coisas das quais nunca ouviu falar, cujo preço não faz sentido ao seu modesto salário de gente normal que pega busão e piolho. Pior: troços que não agradam seu paladar. Você já tentou uma vez e se sentiu um hamster. Aí, com a impressão de que você já deve estar com três cânceres em gestação, diabetes, cirrose e inflamada até a tampa, continua a rolar o mural das belezas intocáveis, o mural das alegrias absolutas, e dá de cara com a influencer que divulga até o papel higiênico que usa. A boneca modelo de dentes inumanos, simétricos, que parecem fruto de um bochecho com Vanish. Ela está em Milagres. Ou Pipa? “Numa suíte top” – assim ela a descreve antes de divulgar a arroba da pousada. Está em Milagres e, na semana passada, em Cancun. Na retrasada em Miami. Na… “Esse aqui é meu whey preferido. Sabor cookie”, ela afirma mostrando o potão num cenário paradisíaco, e depois de tomar uma porção de cápsulas da farmácia que ela indica de olhos fechados, faz um shake com a shakeira que veio na última leva de recebidos, junto com café tunado e esquisitices que nenhum centenário do planeta precisou consumir para viver tanto. Ela faz a gororoba, bebe num golão de pelicano e começa uma live ensinando um circuito de exercícios que podem ser feitos em qualquer lugar. Ela e o namorado-tanquinho sem nada de gordura que fica bem em sunga, terno e foto. O namorado que vive indicando – com direto a cupom de desconto, claro – lugares ótimos que fazem tratamentos milagrosos para deixar qualquer pessoa mais gostosa do que coxinha com Coca. Você vê os dois fazendo, suando e sorrindo sem ofegar e tenta fazer um pouco, mas logo é pega por uma fisgada na panturrilha, ouve o joelho estalar e se sente uma bituca de Derby flutuando na água fétida no Tietê. Você e seus pratos lascados nada fotogênicos. Você e sua gordura abdominal eterna. Você e seus cabelos quebradiços. Você e sua incapacidade de acordar antes do sol. Você e seus menos de mil seguidores que mal interagem com suas fotos. Você e o seu arroz e feijão bandido, seu bolo-heroína, seu brigadeiro-crack-de-colher. Você e… Até que, num surto de racionalidade que nasce da visão do óleo de soja peçonhento que acabou de jogar no ralo da pia, lembra-se da sua avó de quase noventa anos. Da sempre risonha senhora e da gangue dela de jogadoras de buraco. Pensa na trupe que nunca comeu granola nem avocado toast nem manteiga ghee; naquelas senhorinhas que, mesmo sem terem saído do interior de Minas nem postado foto de viagem, parecem plenas e radiantes, bem-sucedidas de verdade, não à moda plástica-filtrada-calculada-publi-de-cu-é-rola das redes sociais. Pensa nas velhinhas que, em vez de circuitos mirabolantes feitos sobre tapetinhos de yoga, realizaram muitas e muitas caminhadas na praça e sempre se mantiveram ativas com a ajuda da horta, das escadas e dos netos sepecas. Pensa nelas, na completude que elas insistem em continuar radiando de maneira orgânica, e sorri como um Newton recém-atingido pela maçã. Mostra os dentões não tão brancos quanto o das novas celebridades porque, ao se lembrar da última vez em que as viu sua avó, sem celular à mão gargalhando ao redor de uma mesa com bolo de fubá e café com leite, compreende que o modelo de sucesso vendido noite e dia nas redes sociais talvez não seja para você. Talvez seja, exclusivamente, às empresas que ganham vendendo esse lifestyle, conclui. Não, não é para mim!”, você grita. Porque na vida das senhorinhas de interior enxerga um modelo palpável, a felicidade plena, barata e sem Photoshop que almeja a você. “Isso sim é ser bem-sucedida!”, você afirma. E conclui que sua avó e a galera dela apenas vivem o presente, como sempre fizeram, maneirando aqui e ali, é verdade, mas sem grandes restrições, sem tentar domar de maneira quase doentia as tantas variáveis capazes de influir em nossa saúde. Sem alimentos raros colhidos por monges de piroca bicolor da indonésia. Sem a busca frenética pela superação dos próprios limites, sem a corrida constante e sem fim para serem melhores em tudo, até naquilo que odeiam. Sem essa máxima besta de que é sempre possível dar um passo além que insistimos em seguir mesmo quando nossos motores estão fervendo, à beira de um colapso. Elas simplesmente vivem, regam suas samambaias e violetas, jogam bolinhas e galhos aos seus vira-latas, fofocam, criam situações onde há carboidrato e troca de carinho real. Almoços. Regam as amizades também – com afeto real, não com emoticons. Vivem, dia após dia, sem tentar trucar a morte com poções e pílulas mágicas. Sem tentar driblar o que é natural com agulhadas e bisturizadas que, em muitos casos, deixam a pessoa com aquela cara padrão de boneca inflável com a qual você está sujeira a trombar sempre que entra num dos elevadores sociais dos prédios da Vila Nova Conceição. Você pensa nessas senhoras do interior, no quão abençoadas são por pouco saberem sobre os mandamentos de nutrição, fitness e carreira vomitados nas redes sociais, e sai do Instagram. Escapa dele, melhor dizendo. Debruça-se sobre o parapeito de uma janela verdadeira, de madeira em vez de pixels, e, observando o fluxo de gente real passar como há tempos não fazia, decide desmarcar a harmonização fácil que lhe fizeram acreditar que era necessária para ter um rosto mais… Desmarca com o timbre firme, não cede ao “tem certeza?”disparado pela secretária e, encarando no espelho seu olho esquerdo, aquele que considera um pouquinho mais caído do que o direito, finalmente entende o charme em extinção que ainda contém; o encanto-arara-azul que por pouco não perdeu, no qual se apegará para continuar se sentindo bem-sucedida neste mundo de rostos e corpos e pensamentos cada vez mais parecidos. Infelizmente.

 

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Ricardo Coiro

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