Sampa, precisamos conversar. É sério. Por alguns minutos, ao menos, você pode sossegar suas buzinas ansiosas, desligar seus motores “esgoelantes” e prestar um pouco de atenção em mim?
Eu, que já pensei em eternizar o meu amor por você na pele – em forma de tatuagem – e que dediquei meu primeiro livro ao seu caos muitas vezes poético, preciso que saiba: nossa relação está à beira de um fim, bem perto de um hiato sem data para terminar. E não adianta começar a chorar suas lágrimas ácidas feitas de todo tipo de fumaça tóxica, viu? Porque já está mais do que decidido: esta é a minha saideira! Nos próximos meses, acredite se quiser, não pretendo brindar com você em meio a homens asfixiados por nós de gravata, mulheres de calcanhares machucados pelos sapatos corporativos que são forçadas a usar e vendedores de pano de prato mirins que nunca deveriam ter deixado de lado os desenhos animados – muito menos a escola, o desejo de pisar na lua e a ingenuidade que ajuda a deixar a realidade mais tragável.
Sentirei falta de começar o dia recarregando minhas baterias com seus pães na chapa e pingados, eu sei. Sentirei, também, falta das pizzas que peço lá pelas muitas da madrugada, do acesso à arte de qualidade que você vive a me proporcionar, dos encontros memoráveis com a fauna plural da Augusta, das padarias e lanchonetes de esquina que se transformam em bares quando a noite cai, de caminhar sem rumo na Paulista para me inspirar no mar de gente que por ali passa, de ir à Liberdade para me empanturrar de guloseimas nipônicas e coloridas cujos nomes nem sei pronunciar, de ouvir gente falando “mó”, “tipo”, “balada”, “truta”, “se pá” e “da hora”, de não resistir ao “me come, mano” sussurrado por coxinhas de frango bem oleosas… Sentirei uma baita saudade de você, Sampa. As enchentes que agora se formam em meus olhos não me deixam disfarçar. Contudo, ultimamente, você está me tirando muito mais do que tem me dado, não é mesmo?
Quando me mudei para esta “cimentolândia” infinita, aos dezessete, não me importava com o tempo e a saúde que roubava descaradamente de mim. “É o preço de viver em São Paulo”, eu afirmava àqueles que me chamavam de louco por ter escolhido você. Logo você, a confusão em forma de cidade! A verdade: eu era demasiadamente inexperiente para perceber que ter saúde – e tempo para desfrutá-la com os seres que amamos – é o maior dos tesouros que um ser humano pode possuir. Hoje compreendo, porém. Compreendo graças às riquezas que me fez perder enquanto, de olho no relógio e à espera do verde do farol, acelerava por suas avenidas deixando o presente de lado em prol de um futuro duvidoso, um desejo que felizmente deixei morrer. Por essas e outras, não adianta afirmar que paga os melhores salários do Brasil, São Paulo. Não mesmo! Pois reais na minha conta não me farão desistir dos meus reais valores nem da busca pelo equilíbrio que você – com seus tumultos diários e balas perdidas – quase conseguiu me tirar.
Cansei de ser uma das muitas sardinhas que, de segunda até sexta, viajam espremidas em seus busões que trepidam graças a suas crateras. Cansei da cara de cansada da minha namorada que, graças a você, São Paulo, sai de casa às oito horas da matina e só volta às nove da noite, já sofrendo pelo pouco tempo que terá até o despertador berrar para avisar: “Está na hora de mergulhar novamente na aspereza paulistana, mulher!”. Cansei de tentar me acostumar às motos retorcidas acompanhadas por corpos estendidos na Marginal. Cansei de ouvir relatos de violência e pensar: “Será que serei o próximo a deixar meu vermelho neste cinza?”. Cansei de ter relógio e não usá-lo fora da casa por receio de perdê-lo para algum fruto do seu desiquilíbrio brutal, São Paulo.
Em você, um dia, eu vi uma oportunidade. Hoje, felizmente, encontrei uma oportunidade de deixá-lo. Estou em busca do que você tem me deixado faltar, a fim de me reconectar aos sentimentos que têm sido atropelados pelo seu corre-corre, pronto para viver num ritmo manso que, em você, é considerado preguiça. Ou, até, parada cardíaca.
Parto como cheguei: de mala e cuia e à procura de tesouros. A diferença: o que antes me parecia ouro, aquilo que vive a ser oferecido no interior dos seus arranha-céus de luzes eternamente acesas, hoje me parece somente ouro de tolo, ilusão que não mais me seduz.
“A conta, por favor!”, ao garçom que chama todo mundo de “zóio”, de quem sentirei falta. E a você, São Paulo, para evitar ciumeira e futuros barracos (mais barracos por aqui!), eu faço questão de avisar: já tenho outra em mente. Ela não tem nome de santo, é verdade, mas o nosso santo de bateu de cara.
Até logo, Sampa. E, por favor, trate de se cuidar. Ou, um dia, todos que vivem em você vão precisar se tratar.