Londres, amo até suas nuvens

10a Chestnut Plaza, London.

Depois de secar três pints (copo de cerveja que contém 568 ml característico dos pubs ingleses) e caminhar até o hotel em que estou hospedado sem o mínimo medo de ser roubado, eu me sinto obrigado a fazer uma confissão: amo Londres. E não é declaração de bêbado sentimentalista, não: é amor de verdade, de acelerar a pulsação, de colocar holofotes nos olhos. Para ter uma noção, eu amo esta cidade mais do que amo coxinha acompanhada por Coca-Cola de garrafa de vidro. Mais, até, do que amo pegar no sono embalado por cafuné no topo da cabeça, onde o cabelo já está ficando ralo.

Conheço gente que só precisa de palmeiras esvoaçantes e pássaros empoleirados em fios elétricos para se inspirar e escrever as mais belas crônicas e poesias; eu, entretanto, sou diferente: para exercer o ofício de “palavrista” careço de sentimentos humanos, de gente – aos montes e dos mais variados tipos, de preferência. E aqui, na capital da Inglaterra, há sempre fartura de muvuca globalizada e interessantíssima, que aparenta implorar para servir de matéria-prima aos devaneios de escrevinhadores como eu, famintos por pele, carne, alma, tum-tum…

Ontem, para ter uma noção, num bairro chamado Camden Town – conhecido por reunir os seres mais exóticos de Londres e, talvez por isso, o meu favorito – eu vi uma senhora que parecia ter saído de um filme de época pedindo informação a um punk cujo moicano, no quesito “altura”, dava um pau no arrepiado platinado do Supla. E sabe o mais legal? Depois de receber as orientações de direção, a senhorinha pediu para tocar o cabelo do moço, que imediatamente se abaixou, curvando o pescoço para que ela conseguisse alcançá-lo. Então a vozinha arregalou os olhos como se dissesse “Nossa, que da hora”, e riu, como se ainda possuísse alguma ingenuidade, uma criança interior que não foi atropelada pelo trem do tempo. E não parou por aí: depois, com notável cuidado, ela também pousou a ponta do indicador enrugado sobre uma das várias tarraxas pontiagudas que cobriam a jaqueta de couro do punkão. E, mais uma vez, mostrou os dentes num sinal indubitável de felicidade. Para mim, isso daria até um filme, algo como “O punk e a vovó empetecada e bebedora de chá”. Ou ainda: “Como explicar aos meus netos que virei anarquista depois de relar num moicano?”. Ou… Ah, sei lá! Mais de uma coisa eu sei bem: cenas como essa, nas quais mundos totalmente opostos se fundem em harmonia e com um quê de poesia, são muito comuns por aqui. E, para vivê-las, não é preciso muito: basta colar num pub, mandar cerveja goela adentro e deixar a coisa fluir. Mas aconselho que vá antes das nove da noite, ouviu? Porque os pubs por aqui fecham meia-noite, pontualmente, e não adiantará implorar por mais saideiras nem tentar aplicar o lero-lero tupiniquim. Em Londres o “estou fechando” significa “estou fechando”, simples assim; e não “eu só disse que estou fechando porque sei que você ainda vai pedir mil saideiras e enrolar para sair”.

Ah, e não dê tantos ouvidos às pessoas que dizem “os ingleses não se abrem a ninguém”. Não são atirados como os brasileiros, é óbvio, mas eu sou a prova viva de que eles também socializam se souber chegar no sapatinho, com educação e sem ser muito invasivo. Talvez seja essa minha cara abestalhada de rascunho de Tiago Iorc, eu não sei bem, mas posso afirmar que a maioria das minhas experiências foi agradável e que meu inglês – intermediário, no máximo – bastou para que eu sustentasse longos e empolgados diálogos com o povo daqui. Fiz até piada, cê acredita? Só um australiano de “zóios” vermelhos riu, e nem foi muito, mas fiz. E isso já me enche de orgulho.

Outra coisa que me encanta em Londres é a arquitetura: não é raro cruzar com um arranha-céu modernoso com pinta de “fui arquitetado pela NASA” e, logo em seguida – só algumas pernadas depois -, sentir-se imerso numa das cenas de Downton Abbey (série que retrata a vida de uma família aristocrática inglesa no começo do século XX). Dá vontade de tirar foto de tudo, sem parar, igual japa no Rio de Janeiro, aos pés do Cristo Redentor, manja? Mais do que isso: quero colocar vários cantinhos de Londres em potinhos, só para ficar admirando antes de dormir, enquanto o sono não chega. Só para ficar olhando para esta cidade que – mesmo com paredes de tons predominantemente marrons, cinzas e brancos – transpira muita beleza e história – coisas que, para mim, em muitos casos, são sinônimos. E já que falei em tons de cinza…

É verdade que aqui nubla e chove bastante. Rola até nevoeiro de colocar no chinelo aqueles que causam engarrafamento na serra do mar, não vou negar. Porém, de acordo com a minha experiência e conversas com gente que mora aqui há décadas, manter uma sombrinha e uma capa de chuva na mochila já resolve. Afinal, em Londres não ocorrem pancadões como no Brasil: geralmente não passa de uma garoa que, às vezes, estende-se por longos períodos.

E eu ainda nem falei do transporte público daqui, né? Que, em minha humilde opinião, é um dos melhores do mundo. Eu não conheço o Japão nem Nova Iorque, é verdade; mas o transporte público de Londres, com certeza, está entre os melhores do universo. Se pá da galáxia. Quiça do… A começar pelo metrô que, diferente do paulistano, realmente cobre a cidade toda. Há uma parada perto de tudo, juro. E bastam alguns rolês – e muitos “mind the gap” (frase repetida sempre que a porta do vagão se abre, para evitar que algum lesado caia no vão que separa o vagão da estação) – para entender o funcionamento da coisa. Aplicativos como o Google Maps e Tube Map (aplicativo oficial do metrô) também ajudam na hora de traçar a melhor rota ao seu destino. Ah, e vale a pena dizer que existe uma modalidade de bilhete para cada necessidade: você pode pagar por dia e usar quantas vezes quiser, colocar crédito que são abatidos de acordo com o número de viagens que faz e zonas (Londres é dividida em seis) que percorre e por aí vai, para todo gosto e necessidade. Não vou me estender nos detalhes técnicos, porém. Aliás, também não vou ficar falando muito sobre o busão vermelho e de dois andares daqui. Apenas quero ressaltar que funciona, tá? Caso venha para cá, entenderá. E se não conseguir sozinho, peça ajuda à internet.

Agora, se me permite, vou tomar um banho quente seguido do chá insosso – porém, bom pra garganta que tá meio fodida por causa do frio – que não tomei às cinco porque estava no Museu de História Natural admirando o esqueleto de um tiranossauro e me imaginando correndo de um bichão desses, implorando para não ser devorado numa só mordida. E depois, muito provavelmente, recorrei ao serviço de quarto para pedir um fish and chips (peixe empanado acompanhado por batatas fritas e molho tártaro que pode ser encontrado em cada esquina londrina, e perfeito para pessoas como eu: com bastante fome e colesterol).

Goodbye (com sotaque dos camaradas daqui, ou seja, como se houvesse uma batata em minha boca).

Abbaye de westminster Big Ben London

 

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Ricardo Coiro

Ricardo Coiro

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